16 abril, 2009

Roda viva


[Sempre fiz minhas adaptações exclusivas de certas músicas. Nada proposital, é verdade. Todas fruto de uma audição precipitada, ou deficitária ou ambas. É o caso de "Roda viva", do Chico -- "Tem dias que a gente se sente / Como quem partiu e não vê". Com a licença do Chico, vou dar prosseguimento ao verso inventado]


***


Tem dias que a gente se sente, como quem partiu e não vê. Eu não vi. Apenas sinto que partiu. É algo aqui dentro ainda difícil de definir. O olhar nessas horas se torna sintomático: perpassa um vazio sem o afã de encontrar qualquer placa indicando onde fica o retorno para voltar atrás e sair dessa maré baixa assoladora, ressaca de um mar hoje com muita água, mas pouco sal.

A fala, poucos reconhecem: torna-se baixa, ainda acanhada diante da chegada desse meu estado de espírito, um velho conhecido pelas bandas da velha casa. Entre uma batida e outra, o coração se trinca. Forte demais até. Talvez esquecera aquele compasso ritmado de antes, quando tinha em quem se espelhar para fazer a cada dia uma música nova com você.

Hoje esse mesmo coração bombeia o sangue para não deixá-lo correr pelo corpo nem frio demais, nem quente demais no corpo. Prefere priorizar outras áreas sublimadas desde o último baque, meses atrás, estimulando a todo o custo o sentido perdido das coisas. Prefere não deixar nada mais morrer aqui dentro.
O pobre desse coração olha sentado em seu trono instalado no peito o mundo de lá, o de fora, mas agora protegido por vidros. Estufa? Talvez. Casa de vidro? Talvez também. A única certeza por enquanto é: não quer se machucar mais. Por isso, vive hoje fechado em seu aquário sem água, sem alga, sem peixe, vestindo apenas uma couraça que ainda não o defende totalmente da transparência opaca de certa gente aí fora.

Aí não tem como dar conta mesmo. Principalmente de lavrar um motivo legítimo para a baixa repercutida em quem o carrega na vitrine instalada em seu próprio peito. Vende-se? Aluga-se? Fechado para balanço? Ainda não são essas as informações dadas pela placa na porta. Prefiro manter, ainda que a marteladas diárias, o recado de "Aberto", mesmo cansado de ver pouca movimentação interna. Sinais da tão propalada crise, talvez. Melhor pensar assim.

Um comentário:

Juliana Almirante disse...

Estou passando por um momento exatamente assim. É engraçado que não tenho palavras e fico parafraseando tudo. A roda é viva.
É o móbile em que estamos suspensos. O vidro nos protege equilibradamente, sem deixar de ver o lado de fora, mas ainda deixando espaço para que vejam que dentro ainda está aberto.

Desejo-lhe ventura e sabedoria...
Abraço