
Sigo andando por aí depois da folia. Sem destino certo, o jeito é bater a porta da casa, agora vazia depois do período de festas. A cabeça, levemente inclinada para cima, observa o céu, as janelas entreabertas e as luzes intermitentes das vitrines que iluminam cada avenida em que passo. Flano à procura de algo que talvez eu tema decifrar, mas que inspira a caminhada mesmo quando o túnel está escuro.
Este andarilho que aqui vos fala não quer cansar. Corre, mas não perde o fôlego. Nada, mas não morre na praia. Pedala no comando do seu próprio guidão, mas não percebe a condição estática de sua bicicleta, que não sai do lugar. Caminha, num ritmo de marcha atlética, lembrando as cenas de infância, quando o esforço físico em nada lhe apetecia.
A ambição é de cruzar fronteiras e conhecer outras terras. No entanto, no mapa do andarilho, não existem linhas geográficas que separam as nações. Ele pertence a todos os países, ele assume todas as bandeiras. Ele abraça seus vizinhos como quem está disposto a conhecer nova gente e fazer novos amigos.
Lentamente, o tempo se torna soberano da situação e faz com que o sol surja a pino no horizonte. Não houve hora de descanso, por opção do próprio andarilho, seguidor de seu destino num anda-que-anda apressado. A sede de tirar o véu do desconhecido é por demais grande. Quem o estimula a se movimentar é um impulso de natureza etérea, quase esotérica, cuja força se reverbera em cada gota suor caída da testa.
Mas eis que, finalmente, é chegada a parada final dessa viagem. No cenário, a aridez da solidão divide a cena com uma lápide, em memória ao grande poeta João Cabral de Melo Neto. Nela, fora inscrita apenas uma frase: “Nascer já é caminhar”. Tomada como mandamento, só então o andarilho deu o suspiro derradeiro de sua jornada e se pôs a sentar.
O sal do suor, misturado ao sal da única lágrima que verteu, benzeu aquele que, finalmente, depois de tanto ir e vir, pode apreciar o regozijo de um renascimento. “Nascer já é caminhar”, ele lembrou, esboçando um sorriso de canto de boca, antes de pôr a mochila nas costas para retornar à velha casa em que sempre morou.