18 abril, 2009

Serpentina



Todo carnaval ela gostava de jogar serpentina. Mais do que confete até. Não era muito afeita a chuva. Preferia a ideia de desenrolar o fio folião para, quem sabe, ver se conseguia enlaçar alguém, alguma história, algum amor perdido pelas ruelas de sua terra natal. Era sua forma de gritar ao mundo em silêncio, externando por meio do cachinho de papel a vontade de viver novamente aquilo que um dia fora perdido no tempo, na memória, nas mágoas e medos de quem só desejou ser feliz e mais nada. Ela cerrava bem os olhos, lançava a sorte para o alto e esperava, sorrindo, quem iria lhe dar retorno. Puxá-la ao centro do salão para a dança mais importante da noite. Descortiná-la no meio da multidão, como nos filmes em que a surpresa acontece à primeira vista, ainda que todos estivessem mascarados. "Quem é você, diga logo, que eu quero saber do seu jogo", escolheu como trilha sonora para embalar sua folia. A serpentina era a máscara da moça, a forma como ela escolheu para conjugar junto ao mundo a singeleza do verbo recomeçar. Pena que, todo ano, ceifavam aquele espiral de papel sem muito pestanejo. E a menina, desavisada que só, acompanhava o cortejo na calçada, cantando com a voz sussurrada seu samba antigo. Mesmo interrompida pela ação do desconhecido, seu sonho era mais otimista do que ela e a fazia sempre sacar da bolsa mais um rolinho de papel pronto para ser atirado ao léu. A moça não desanima mesmo, sobretudo em dias de carnaval. Faz da serpentina a serpente que morde seu próprio rabo para indicar: eis o fim e o início de uma história. Por isso que o carnaval, mesmo sem um novo par para variar a dança, é a época em que ela se sente mais feliz.


"Quem dera que a vida fosse assim / Sonhar, sorrir / Cantar, sambar / E nunca mais ter fim" [Imperatriz Leopoldinense, 1981]


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