
Rio, 28 de março de 2008.
Prezada Clarice,
Amiga do meu dia a dia, das minhas angústias e das minhas reflexões. Volto-me aqui à sua atenção, desta vez sob a forma das palavras desabafadas. Gostaria muito aqui de lhe confessar uma coisa: eu, às vezes, forjo o sentimento para saber como vou reagir a um sopro de devaneio qualquer que visita minha mente. É verdade, Clarice. Meu pensamento continua inventado, como você mesmo já anunciara décadas atrás.
Eu já parei, já tentei, mas não consigo relaxar. A todo instante, estou pensando, tenso, preocupado, pré-ocupado, no afã de vislumbrar uma hipótese ou que pode ser remota ou que pode encarnar, quase em carne e osso, nesse mundo. Foi assim antes de eu tomar a iniciativa ontem e conversar com quem é de direito sobre os rumos da velha casa, após o corte de luz.
Pagamentos imediatos, investimento alto, isso tudo foi feito logo. Medidas práticas para seguir adiante. Mexer nas reservas, adiar planos, sublimar os sentimentos, questionar o amor. Foi uma sucessão de verbos, conjugados tete-a-tete no sofá, que se ali revelaram sob um ar de certo constrangimento. A lágrima que tanto urgia em descer não se vertia naquela hora. Por nada, Clarice, não caía por nada, nada, nada.
Sabe, minha querida, acho que havia um ali receio de que toda aquela situação, vexatória por natureza, tomasse as vestes do piegas, do mexicano, do novelesco. Por isso, as palavras foram tão breves que me encheram de sono à medida que foram proferidas. O Chico define muito bem: é o "sono dos séculos". Eu tenho muito sono, Clarice. E, depois do ponto derradeiro na conversa, eu precisava ir ao quarto imediatamente. Tudo aquilo era fruto de um "cansaço de choro mudo", como você mesma já escreveu.
Antes de dormir, depois de todo o palavrório, fui à estante encontrar a companhia dos livros que iriam dividir comigo o momento da sesta necessária. Dentro das agruras de Macabéa, encontrei uns escritos de caderno, ainda com a letra imberbe dos meus 17 anos, que tinha citações da sua obra. Uma delas foi uma espécie de presente, uma surpresa, que faço questão de aqui transcrever:
["Há um tipo de choro bom e há outro ruim. O ruim é aquele em que as lágrimas correm sem parar e, no entanto, não dão alívio. Só esgotam e exaurem. Uma amiga perguntou-me, então, se não seria esse choro como o de uma criança com a angústia da fome. Era. Quando se está perto desse tipo de choro, é melhor procurar conter-se: não vai adiantar. É melhor tentar fazer-se de forte, e enfrentar. É difícil, mas ainda menos do que ir-se tornando exangue a ponto de empalidecer. Mas nem sempre é necessário tornar-se forte. Temos que respeitar a nossa fraqueza. Então, são lágrimas suaves, de uma tristeza legítima à qual temos direito. Elas correm devagar e quando passam pelos lábios sente-se aquele gosto salgado, límpido, produto de nossa dor mais profunda".]
Não precisei falar mais nada depois de lê-la. Fui dormir mais sossegado. Foi hora de a estrela renascer num céu que deseja ansiosamente voltar a se ensolarar perante o mundo. E nem vou me estender mais nesta segunda carta a você.
Apenas quero lhe agradecer mais uma vez por estar presente em minha vida. Efetivamente.
Com carinho,
Daniel