20 agosto, 2008

Depois da ressaca



Maré braba
Onda revolta
Noite estrelada
Água mal-educada
Parede molhada
Porta fechada
Cheiro de maresia no ar



[...]



Desde menino eu usufruía do mar sem, ao menos, pensar em presentear quem nele mora. Portanto, nada mais coerente que a corte imperial das águas também quisesse conhecer a velha casa em retribuição a toda felicidade dispensada no vai-e-vem das ondas que fatiam meu corpo a cada mergulho. Mas esta última visita, confesso, ela se deu sem aviso prévio, sem tapete estendido e sem muitos ritos de celebração.

O mar desta vez não pediu licença. Foi ao encontro daquele que um dia pensava ser montanha e desmoronou o castelo de Lego onde um dia protejei os valores mais nobres adquiridos na infância. As águas entraram em ressaca, marejando os olhos daquele que se orgulhava de dar os últimos retoques de tinta branca nos cantos da casa.

A princípio, o cenário entorpeceria qualquer olhar mais calmo sobre as coisas do mundo, tamanha a intensidade em que o braço das ondas foi ocupando os cômodos da casa. Foi preciso bastante tempo para limpar. Mais de um mês, para ser mais preciso. É que o mar, estrategicamente posicionado atrás do terreno, entrou em inesperada e furiosa erupção e, naquele dia, não fez questão de bater à porta para saber se podia entrar naquele ambiente ainda em faxina. Nem as estrelas, tão companheiras dos meus anseios, anteciparam essa visita, como de hábito fazem com os pescadores. Elas, que não são bobas nem nada, trataram de se esconder na cortina escura do céu antes que, no fim, sobrasse para elas também.

De lembrança, a enxurrada nos deixou o cheiro forte de maresia encalacrado nas paredes, misturado ao aspecto velho dos movéis (que é característico; nunca saíra de lá mesmo). A poeira ficou até em quem ali morava, mesmo que este morador quem vos fala esteja disposto a renovar suas esperanças. Afinal, água de mar é por demais salgada e, com ela, toda nesga de energia funesta que ali habitava foi lavada porta afora da casa.

Mas agora eu já aprendi a lição. Desta vez, vou pedir licença antes de entrar no mar. Prefiro me revestir, ainda que sobre a carcaça empoeirada, de felicidade que os meus olhos, volta e meia, avistam numa linha reta que se forma em todo mar. Conhece? É aquela mesma que sublinha o céu bem de longe, já no limite das águas abertas, costumeiramente conhecida como horizonte. Este é o meu novo destino, meu velho objetivo. A nova vida dentro da velha casa lavada e renovada.


“Quando eu morrer voltarei para buscar os instantes que não vivi junto do mar”
[Sophia de Mello Brey, na voz de Bethania]


***

Para conhecer a corte imperial do mar:







[Peço desculpas pela ausência longa e inesperada. Alguns acontecimentos me deixaram desnorteados e sem tempo para escrever ou responder todas as mensagens que os amigos aqui deixaram. Em seguida, vieram as férias, que ainda estou curtindo, mas agora com um tempinho para aproveitar a mente mais sossegada para abrir, pelo menos, a janela da velha casa]