30 dezembro, 2009

Palhaço

No camarim, já cansado do espetáculo, de todo aquele circo armado, o palhaço veio a se sentar. Por um instante, mirou o espelho. E, por mais um instante, fitou o que lhe escapara à maquiagem branca que encobria o rosto. Era de um olhar triste, lábio caído e semblante envelhecido por certas agruras difíceis de explicar. Por isso, preferia seguir a vida como palhaço e fazer do riso alheio seu maior aplauso. Era essa sua força motriz para seguir adiante, serelepe e esfuziante pelas ruas. Mas, diante da sinceridade do espelho, não tem mais gargalhada, muito menos sonoras palmas. Apenas o silêncio despido, pouco a pouco, em chumaços de algodão com água. E lentamente revela-se em movimentos lentos e circulares, a outra face do rapaz, com rugas por ele próprio desenhadas para sobreviver aos dotados de fúria e dor nesse mundo. É que ele precisava a todo custo mascarar qualquer vicissitude infantil ou pueril que carregava no corpo, ainda que seu maior sonho fosse ouvir reverberar em cada canto de seu corpo o aplauso de quem só busca ser reconhecido. Desta vez, por aquilo que é, e não por aquilo que encena ser num palco.

[Ouvindo “Fogueira”, na voz de Ângela, com os versos sussurrando na cabeça: “Deixa eu cantar / Aquela velha história, o amor / Deixa penar, a liberdade está (também) na dor”]