24 dezembro, 2007

Eletrocardiograma


"A gente só sabe bem aquilo que não entende"
[Guimarães Rosa]


Queria lhe oferecer palavras bonitas antes da chegada à estação, para minimamente retribuir-lhe a geometria da beleza que você tem me apresentado nesses últimos dias. São vários lados de um poliedro, com um número de faces ou esquinas ainda a definir, que você me oferta como buquê de flores a cada encontro.

Mas hoje eu reconheço que perdi a razão. Perdi qualquer centelha de autocontrole em mim sobrevivente. A cabeça já não discerne mais o que é conotativo, denotativo, previsível ou pretensioso para lhe falar. Quem comanda o guidão nesta hora são meus sentimentos, num turbilhão que me coloca no pontilhado de um eletrocardiograma instável, cheio de picos e variações próprios de um paciente em estado crítico no leito.

Levo a vida assim, como uma parábola, mas não essas jesuíticas que procuram elevar o espírito para reflexão. As minhas parábolas são aquelas desenhadas no quadro-negro, durante as aulas de física do antigo segundo grau, em que o professor marcava, obrigatoriamente, os três principais pontos cartesianos: começo, cume e fim. Ou, no meu caso, nascimento, auge e derrocada da alma.

Grito, beijo, rio, gesticulo, corro, brado, buzino e choro, tudo na mesma proporção, tudo em tempos improváveis, tudo acontecendo à revelia da minha mente. No fim, termino sempre exaurido, como se tivesse desfilado em sete escolas de samba ininterruptamente num único dia de folia. A respiração se mantém sôfrega, com suspiros prolongados, porque na sua presença eu esqueço as leis biológicas e deixo o pulmão agir por conta própria, sem a minha vigilância. Meus olhos preferem se ater a outra pauta.

Isso tudo porque o amor resolveu bater à porta sem sobreaviso. Visita não previamente convidada, que apareceu sorrateira, quando eu já estava prestes a fazer uso do cadeado e anunciar a velha casa nos classificados. Não tive tempo de arrumar a sala, muito menos de reformar o seu quarto, que ainda gotejava as lágrimas da resignação. A memória em pó, que se acumulava pelos cantos, eu escondi depressa embaixo do tapete. Mas sua alergia à tristeza me fez limpar todo o chão para um pisar mais confortável de ambas as partes.

Hoje você está no mundo de lá, sem perspectivas de notícias ou sinais de fumaça, como dizem na minha terra. Nem um bilhete lembrei de lhe escrever antes do abraço derradeiro. Foi tudo tão rápido, tão fugaz, que eu me perdi nos poucos minutos que tinha para sofrer demais, falar demais, correr demais pela rua a tempo de chegar ao portão de embarque e dizer-lhe, por trás de toda minha euforia, que te amo demais. Até a volta.

2 comentários:

Carol Timm disse...

Daniel,

Seus textos sempre despertam muitas sensações e emoções diversas. Gosto muito daquilo que sussura nas entrelinhas...

Espero que tenham um Feliz Natal e que encontres outras meninas de vestidos verdes ou rosa em 2008, para que continues a ouvir música, mesmo depois que a caixa de música não funicona mais!

Beijos,
Carol

J.Machado disse...

Os fatos deveriam avisar antes de acontecer, assim poderíamos nos preparar pra eles. Será que seria melhor assim?
O coração fibrila quando o amor aparece. Já sei, vou andar com um eletrocardiógrafo em mãos e assim saberei quando aparecer.
Grande abraço e Feliz Natal!