21 dezembro, 2007

É permitido fumar



"E a gente vai fumando
Que, também, sem um cigarro
Ninguém segura esse rojão"
[Chico Buarque]



O Ministério da Saúde não cansa de advertir: fumar faz mal à saúde. O.K., já sabemos, notícia velha. Mas, em certos momentos, por mais politicamente incorreto que isso possa soar, um cigarro até que acalma os brios mais agitados. Confesso minha certa ignorância com a prática. Apesar do contato furtivo da adolescência, não sei tragar direito, tive bronquite quando criança e, volta e meia, uma breve falta de ar me acomete nas horas mais improváveis.

Há, contudo, certas horas da vida em que o cigarro se faz preciso, pelo menos qualquer um minimamente merecedor de tatear meus lábios. É quando a vida se converte numa agitação sem sobreaviso, um misto de surpresa, interrogação e tensão, provocado por desvios não-submetidos a uma anuência prévia entre as partes envolvidas.

Diante de uma ventania inesperada, surge num primeiro instante o choque. Não consigo fugir, logo assim de cara, da letargia da minha mente quando identifico os desvios que os planos tomaram. Depois, vem a tentativa de adaptabilidade: uma forma Poliana de seguir a vida, nem sempre ditada pelo o que fora combinado no telefone.

M
as o homem é falho, já ensinara o catolicismo do colégio, e nem sempre consegue evoluir rumo ao estágio de complacência e entendimento. Depois do choque e da incapacidade de se adaptar àquele novo meio, fica de concreto o ranço do egoísmo, que vocifera com o pequeno altruísta, sempre disposto a estender o seu tapete mais triunfal à vida e ao amor. Como eco, ouço com muito constrangimento a ausência do retorno esperado, diante de tanta gratidão que um dia lhe foi oferecida. E, por fim, o cansaço refletido pelo meu sono dos séculos.


***


Recorro ao cigarro - um só já me basta. Tento dissipar na fumaça expurgada um tanto da fúria ressentida por deixar-me levar pelo piloto automático dos acontecimentos. Isso porque nem sempre contar até dez, inspirando e expirando na mesma velocidade, é suficente para alcançar o primeiro estágio da calmaria.

Em seguida, vem a tosse, que ao menos sonoriza algumas palavras que, na hora, são grandes demais para ultrapassar o vácuo entre a mente, a garganta e a boca. E a lágrima que imediatamente cai é um exemplo de pura fisiologia humana: ela é vertida mais por força do pulmão do que por qualquer melindre do sentimento.

Mas muita coisa ainda fica sem se esvair no baforar de um cigarro, e só horas mais tarde, já sob o chuveiro morno, eu me dou conta disso. É, então, o momento de fazer da própria língua uma espécie de chibata postergada ou retroativa, que só depois vai tocar na frustração em não conseguir falar tudo na hora exata.

Desta forma, c
om o tempo, eu consigo concatenar todos os sentimentos que ficaram numa mesa de bar, quando meu único cigarro da noite se reduziu à guimba, apagada numa latinha de guaraná vazia.


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