O Ministério da Saúde não cansa de advertir: fumar faz mal à saúde. O.K., já sabemos, notícia velha. Mas, em certos momentos, por mais politicamente incorreto que isso possa soar, um cigarro até que acalma os brios mais agitados. Confesso minha certa ignorância com a prática. Apesar do contato furtivo da adolescência, não sei tragar direito, tive bronquite quando criança e, volta e meia, uma breve falta de ar me acomete nas horas mais improváveis.
Há, contudo, certas horas da vida em que o cigarro se faz preciso, pelo menos qualquer um minimamente merecedor de tatear meus lábios. É quando a vida se converte numa agitação sem sobreaviso, um misto de surpresa, interrogação e tensão, provocado por desvios não-submetidos a uma anuência prévia entre as partes envolvidas.
Diante de uma ventania inesperada, surge num primeiro instante o choque. Não consigo fugir, logo assim de cara, da letargia da minha mente quando identifico os desvios que os planos tomaram. Depois, vem a tentativa de adaptabilidade: uma forma Poliana de seguir a vida, nem sempre ditada pelo o que fora combinado no telefone.
Mas o homem é falho, já ensinara o catolicismo do colégio, e nem sempre consegue evoluir rumo ao estágio de complacência e entendimento. Depois do choque e da incapacidade de se adaptar àquele novo meio, fica de concreto o ranço do egoísmo, que vocifera com o pequeno altruísta, sempre disposto a estender o seu tapete mais triunfal à vida e ao amor. Como eco, ouço com muito constrangimento a ausência do retorno esperado, diante de tanta gratidão que um dia lhe foi oferecida. E, por fim, o cansaço refletido pelo meu sono dos séculos.
***
Recorro ao cigarro - um só já me basta. Tento dissipar na fumaça expurgada um tanto da fúria ressentida por deixar-me levar pelo piloto automático dos acontecimentos. Isso porque nem sempre contar até dez, inspirando e expirando na mesma velocidade, é suficente para alcançar o primeiro estágio da calmaria.
Em seguida, vem a tosse, que ao menos sonoriza algumas palavras que, na hora, são grandes demais para ultrapassar o vácuo entre a mente, a garganta e a boca. E a lágrima que imediatamente cai é um exemplo de pura fisiologia humana: ela é vertida mais por força do pulmão do que por qualquer melindre do sentimento.
Mas muita coisa ainda fica sem se esvair no baforar de um cigarro, e só horas mais tarde, já sob o chuveiro morno, eu me dou conta disso. É, então, o momento de fazer da própria língua uma espécie de chibata postergada ou retroativa, que só depois vai tocar na frustração em não conseguir falar tudo na hora exata.
Desta forma, com o tempo, eu consigo concatenar todos os sentimentos que ficaram numa mesa de bar, quando meu único cigarro da noite se reduziu à guimba, apagada numa latinha de guaraná vazia.
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