01 maio, 2008

Pangaré



Ave Maria, danado desse pangaré que não anda! Logo agora que eu decidir ser um cara valente e seguir por aí, galopando minha audácia pra redondeza toda ver. Todo mundo ali gosta de uma novidade, e uma crina novinha e penteada é tudo o que eles querem, meu senhor. É verdade, não acredita? Pois o senhor trate de passar às cinco e meia pela praça pra reparar o burburinho que vai ser essa sua roupa nova engomada. Imagine então um potro desse, robusto? Eu queria mostrar meu cavalo novo, mas ele parece estar cansado. Deu essa leseira nele que ainda não entendi de onde veio. Tomara a Deus que ele não deite, porque essa sorte de animal quando se deita, cruzes, é sopro de coisa ruim na certa. Já dizia a senhora minha avó, tão sabida ela, que Deus a guarde.

[...]

Homem de Deus, o que você precisa é dar de comer a esse burrico aí. Tá esperando o quê, me diga? Não adianta nada você montar, gritar, sair correndo por essas ruas da cidade, se exibindo todo prosa pras raparigas, com um cavalo bichado desse jeito. Vê se toma prumo nessa vida, seu moço, e vá dar logo de comer pro bichano, coitado. Deixe ele bebericar um bocado dessa água. Senão, meu amigo, desculpe-me a franqueza das palavras, mas essa fama sua de cavaleiro não vai passar da boca miúda do povo, que você sabe, adora falar dos outros. E com todo o respeito, deixa eu tirar até meu chapéu pra dizer isso, mas o senhor me dê é licença para lhe falar: o pobre do pangaré merece coisa melhor, tadinho. E, pelo visto, mais do que o senhor, não é mesmo?


[Moral dessa pretensiosa fábula: mesmo com o cavalo cansado, não podemos deixar de valorizar a majestade do cavaleiro -- ou em quem nele monta. Nessas horas, admiro a simplicidade brejeira das palavras de Roberto Carlos -- sim, havemos de admirá-lo, senhores --, como as que ele canta em "Fera ferida"]




7 comentários:

FlaM disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
FlaM disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carolina de Castro disse...

Sempre existe um Dom Quixote dentro de cada um de nós.
Lembrei dele quando li o que escreveu!
=P

Anônimo disse...

Amei essa foto!
(e o texto também, claro!)

Beijos.

Renato Ziggy disse...

Daniel, você é bom nessa dramaticidade, em criar personagens e falar através delas. Seria uma boa se investisse em dramaturgia. Vai por mim, mermão! Amplexo!

Marco Antonio Araujo disse...

Ótimo texto, Daniel. Deu pra imaginar bem a cena, até porque ontem revoltei-me ao ver um cara batendo no cavalo.
Sempre um prazer passar por aqui.

Tudo ou nada ... disse...

Texto bem legal, e uma foto linda
Abraços