09 julho, 2008

Abrir mão


[Esta é uma carta escrita no impulso, no peso e na irritação]



“Estou cansado”. Não sei quantas vezes tenho dito isso ao longo desse tempo. Talvez seja uma frase comum de dois, mas hoje quero apenas pensar em uma parte dessa vida que decidi há oito meses fracionar com você. E repito: estou cansado, desta vez sem aspas, para ver se consigo capturar o momento, o instante de uma exasperação que me toma de assalto como agora.

Cansei de te fazer de protagonista e de me fazer coadjuvante. Cansei de ter que dirigir o nosso espetáculo, enquanto o seu você deixa para qualquer um intervir nas marcações de cena. Cansei de acreditar que seu texto é autoral quando, na verdade, quem o escreve parece carecer de personalidade. Eu, definitivamente, cansei de tentar consertar os trilhos do nosso palco para ver se a cortina não se fecha de todo ou de vez.

Durante esse tempo juntos, eu tenho guardado algumas imagens dentro de um relicário que cultuo aqui na velha casa. Uma delas é a de uma mão aberta, que sustenta um coração. Às vezes, preciso tirá-lo do peito para ver se o coitado pega um pouco de ar. É que, por ser tão grande, tão inflado, tão apaixonado, o corpo já não lhe basta e o músculo pede mais espaço. E eu não hesitei em abrir mão. De muita coisa. Em certos momentos, de mim até.

Podem atirar pedras, mas eu não me envergonho de dizer: prefiro ter a mão aberta para o amor a manter o punho cerrado pela impaciência de não esperar tudo se resolver, como apregoamos juntos todo fim de semana. Chega uma hora, porém, que ficar numa só posição entedia o corpo. O estático em mim dói. Eu busco movimento, embora saiba que eu preciso mesmo é de ser embalado pelas suas pernas, ser levado um pouco por você, deixar-me solto para te ver dirigindo meu guidão.

Mas nem dá tempo de fechar os olhos e imaginar o caminho perfeito para esse passeio. Mal vislumbro e chega um vento qualquer para desequilibrar a bicicleta do caminho que projetei para nós dois. E você nem tem a dignidade de tomar a iniciativa de se levantar e seguir adiante comigo. Prefere se sufocar em seu próprio sopro.

Em poucas e repetitivas palavras: não sei se estou disposto a abrir tanto a mão mais. Estou cansado. Inclusive de ter que te falar tudo isso mais uma vez.

6 comentários:

Zek disse...

Nossa cara, nao sei se pelo que vivi nos ultimos dias, mas vou te confessar que me identifiquei tanto que até chorei.......

É por isso que venho sempre aqui na casa velha, é sempre renovador!!

Abs

[P] disse...

Chega uma hora em que devemos abrir mão de abrir mão sempre, não? Caso contrário, acho que acabamos nos anulando de vez, Daniel. E isso, definitivamente, não é bom...

Beijo.

Sabrina disse...

velha casa e os sentimentos do mundo...
um beijo

Clarice disse...

Uma vez resolvi fazer terapia, o o terapeuta era danado de bom. Eu falei cinquenta minutos sem parar e o cara falou 5 e matou a pau. Ele me disse: cuidado com essas coisas que você abre mão porque não custa nada fazer pelo outro. Essas coisas são as que mais custam. E custa muito caro!

Auréola Branca disse...

Daniel, às vezes sair de cena é o melhor pra evitar o momento dramático da situação. Anular-se não significa covardia, mas inteligência de quem pensa antes de agir.
Certamente desconheço o motivo da tal fúria, se é que há somente um motivo, porém entendo que, mesmo aborrecido, ainda fornece-me palavras lindas e transforma poemas em alívio e desabafo. Poucas pessoas conseguem fazer essa transformação. Poucas.
Eis que digo: a dor oferece o caminho da melhora, sempre (mesmo que pareça estranho e injusto).

Abraços carinhosos.

M. Costa disse...

São dois. Cada um com tudo de si. Quantidade perdida e quantidade ganha. Continuamente.