14 julho, 2008

Estalar os dedos [ou “Dos sonhos”]



A qualquer sinal de mau presságio no peito, a menina não hesitava em estalar os dedos e fechar abruptamente os olhos. Era como sua avó havia lhe ensinado nos seus tempos imemoriais da infância, essa mesma que muitos de nós temos e que pede para ser retirada da nossa linha do tempo a fim de revivê-la, ao som de uma bela cantiga de roda.

Hoje, sem mais a presença da avó, a ciranda da menina foi interrompida pelo temor de encarar seus medos cara a cara. Não conseguia corporificar de certo a palavra “medo” a outras pessoas experientes no assunto. Daí a insistência em estalar de imediato os dedos, que irromperia com um único som a terrível sensação de estar mergulhada, só, em sua própria insegurança.

Ela queria vencer essa batalha usando sempre a mão direita, deixando a outra livre para qualquer eventualidade. A desconfiança morava no canto de trás de sua cabeça. Nem a própria sombra arriscava assustá-la perante os olhos de sua suspeição. Com seu pé também atrás com o mundo, a menina fazia do corpo sua sentinela, embora os olhos até hoje continuem vulneráveis a toda sorte de imagem até hoje a ela indecifrável.

Ela queria, sobretudo, manter a lembrança viva da sua avó, hoje residente nas reminiscências de uma memória embaçada pela idade. Por isso, em vez de acender uma vela, ela recorria aos ensinamentos de criança para se iluminar dentro do quarto escuro. Era a forma de a menina recuperar a luz própria aconhegando-se, ainda que em memória, na velha senhora de todas as noites, antes de acordar para mais uma vez enfrentar o mal que a cada dia nos basta nessa vida.

27 comentários:

Zek disse...

Ai essas avós, que tanto nos protegem .....

Poeta Mauro Rocha disse...

Bonita história familiar, feliz daquele que ainda tem os avós.


Um abraço

As palavras que te digo disse...

Muito sentido este seu escrito, não há como aquela velha casa que existe dentro de nós.Aqui cheguei através dos olhos pretos pois não conhecia seu blog.Gostei muito de aqui ter passado e se não se importar vou linka-lo no meu.Abraço acoreano.Salomé

Anônimo disse...

Um conto cheio de simbolismos e anedotas... muito bem escrito e extremamente real, transcendendo a nossa capacidade de trazer de volta as lembranças que um dia nos fizeram bem, a fim de desfigurar a dura realidade que somos obrigados a enfrentar todos os dias!! Parabéns!

Olinda disse...

Como a avó...não há. :-)

nina disse...

O senhor acabou de descrever minha situação agora. Perdi minha avó há sete anos. Foi difícil, foi muito difícil. Ela me ensinava a encarar meus medos, com um sorriso. "Nem tudo está perdido" era o que costumava dizer. E tinha razão. Mas em três de agoto de 2001, as coisas mudaram um pouco de ângulo...

Mimi disse...

Não tenho mais medo não.
Só de borboletas.

A gente tem que enfrentar para seguir em frente...

beijos, Daniel

Anônimo disse...

Todos nós temos, de alguma forma, um ritual que se assemelha a 'estalar os dedos e fechar os olhos', quando a opressão no peito se torna maior. Felizes daqueles que tiveram uma 'avó' para, em momentos difíceis, nos receber num amoroso regaço onde as lembranças mais prazerosas formam no horizonte um pano de fundo como um convite a prosseguir na luta diária.

Um belo texto, Daniel, como todos estes que tão generosamente nos dás a conhecer nessa tua tão generosa 'velha casa'.

Estou deixando flores e estrelas tecendo uma linda rede de ninar para abrigar teus sonhos, um beijo no coração, e o desejo de lindos dias a enfeitar tua vida.

Dauri Batisti disse...

Bonito e singelo. Gostoso de ler. Parabéns.

Proibida disse...

Há tempos que eu não vinha ler aqui, mas apesar do tempo, ainda encontro o doce conforto da velha casa de sempre.

Li uns posts antigos também. MUITO bons!

Expondo-me disse...

Me identifiquei totalmente com essa menina. E tenho muito presente 'residente nas reminiscências de uma memória' a minha avó! Me sinto vulnerável, como uma menina dentro de um corpo adulto. Usando o corpo como muralha de defesa. A guerreira interna é pequena, bem menor do que aparenta ser. Frágil. Como a 'tua' menina.
Nossa! Expondo-me aqui!
Lindo post.
Abraços by Exposta

Tudo ou nada ... disse...

Como sempre uma surpresa gostosa a cada parágrafo.
Abraços

Frida Salobra disse...

Acho que concordo com um Lu uma surpresa linda e delicada. Adoro cada dia mais esse cantinho.


beijocas!

Marco Antonio Araujo disse...

Eu quando criança, tinha uma ligação muito grande com minha avó, que é a alegria em pessoa. É um símbolo da minha infância.
Passando o tempo, foi com meu avô que aprendi a ser homem, seu texto me despertou essa lembrança que aperta o coração. Parece até que foi de propósito.

Meus olhos ficaram embaçados.

Anônimo disse...

Passando, relendo, me emocionando... por que a demora em postar, amigo? Espero que estejas bem, curtindo umas deliciosas férias.

Ficam estrelas para enfeitar o teu sonhar, sorrisos para enternecer teu coração, e flores para perfumar a tua alma.

Marina Mah disse...

Saudade de passear por estas bandas!

Beijocas.

Clara Mazini disse...

Delicado. Como lembrar da minha avó...

Mimi disse...

Daniel está sempre offline??

Por onde anda esse moço e seus textos?

abraços

Clarice disse...

Gosto tanto desse texto, já li e reli e sempre me toca.
Volta logo!!

Poeta Mauro Rocha disse...

Ola!! O texto é muito bonito. Passei para desejar um ótimo fim de semana e feliz dia dos pais, a quem é pai, quem é mãe e pai, a todos!!!

Um abraço!!

Auréola Branca disse...

Olá...
Tudo bom?
Estou passando de malas prontas, para uma pequena viagem de férias. Prometo voltar em um piscar de olhos para acompanhar-te.

Gostaria que aceitastes o Prêmio que te oferto, e que encontra-se no meu blog. É de coração.

Até a volta.
Abraços.

leila saads disse...

O mal também pode estar nos olhos de quem vê... Quase tudo vai da forma como se encara o mundo!
Saudades dessa casa velha, mas aconchegante - como casa de vó...
Vou voltar com mais tempo pra ler o que perdi nesse mês, Daniel!

Beijos!

Anônimo disse...

Passando pra te deixar uma estrelinha dourada envolta numa macia e perfumada pétala de rosa azul. Que estejas bem, meu querido, é o meu desejo!

Um beijo do meu para o teu coração!

Poeta Mauro Rocha disse...

Ola!! A casa está fechada,rsssr.

Um abraço!!

Fernando Locke disse...

é, as lembranças q são cmomo uma praia revolta. as lemrançasvem até a beira da consciencia,destroem nosso castelos de areia, ou levam aquela estrele csiri que poderia no picar. sempre nesse tumulto de vai e volta. belo texto; abraço

Beautiful Stranger disse...

tu es poeta, cada vez que leio seus 'posts' percebo que a sensibilidade das pessoas ultrapassa tudo que imaginamos...

;)

http://strangerbeautiful.blogspot.com/

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Anônimo disse...

Sem novo texto para admirar, estou deixando flores, estrelas e sorrisos. Um beijo no coração!