13 julho, 2008

Origami



Nossa história foi tão bonita que, mesmo hoje reduzida, se manteve na memória em corpo não-abstrato, como esses rascunhos amassados que jogamos na lata do lixo depois de horas tentando entender o amor sentado em frente à máquina de escrever. Ele mais parecia um passarinho, mas com traços e forma retilíneos do que os abaulados que se costumam ver por aí.

Se era um pássaro belo ou não, aí já não sou a pessoa mais indicada para dizer. Porque só eu sei como o processo de gestação dele foi demais dolorido aqui dentro. Sim, ele nasceu de mim e hoje vem à janela da velha casa se apresentar ao mundo, saltando deste ninho que vos fala e vai contar aos senhores como tudo começou.

No início, era o branco. Uma superfície nua, apta para que testemunhássemos, com lápis ou caneta, nossa bela história que se iniciava. A intenção era das mais valorosas, mas, surpreendentemente, as escritas começaram a trepidar das linhas retas à revelia das quatro mãos que assinavam aquela obra. É que o caminho, de repente, ficou tortuoso para nós dois, com buracos e sobressaltos a ultrapassar. Nessas horas, não há mão firme que sustente a harmonia da letra.

Bastava, no entanto, virar a página para lá estar outra folha, pronta para atestar essa nova vida nossa. Em vão. Algumas folhas molharam com as chuvas, outras se esvaíram com a ventania que nos pegava de assalto dentro. Restou só uma folinha, presa no espiral do caderno, mas que não dava conta de tanta coisa a ser ainda escrita por nós dois.


Eu, pelo menos, tinha muito a dizer da gente e, juro, me esforcei além da conta para ver se encontrava novas palavras e sensações que nos tirasse daquele looping da montanha-russa que cismava em rodar nossos corpos num único eixo. Mas as rasuras ainda insistiam em aparecer. E confesso: os rabiscos me incomodam por sua natureza inesperada. Além disso, deles eu já guardava a lembrança do caderno magro e das sobras que sempre ficam dentro do espiral, único esqueleto que parecia sustentar nosso amor.

Decidi, então, arrancar a folha derradeira e, cuidadosamente, dobrar os erros, as decepções e as frustrações inscritas no papel. Era a forma mais prática que encontrei para encobrir o que saltava aos meus olhos e que eu já não agüentava mais ver. Queria vislumbrar o poder da transformação e não mais mutilar, rasgando um pedaço aqui e outro acolá, a memória da nossa história.

Também não dava para desdobrar mais do que já havíamos feito meses atrás, senão aquele pobre papel não suportaria as tantas marcas nele inscritas. E, de dobradura em dobradura, com o tempo fui reduzindo a folha que restou da nossa história em um corpo só. Era o tal passarinho que em mim nascia e que hoje quer alçar vôo, só para ver se consegue sentir a leveza de um céu que, mesmo hoje partido ao meio, insiste em querer brilhar acima das minhas próprias tempestades.

Nobre a intenção. Quem sabe assim, passarolando, ele encontra seu próprio bando nessa vida.

8 comentários:

Mimi disse...

Eu tenho o hábito e mau hábito de rabiscar meus papéis fortemente, depois amasso bem ou pico e jogo fora.

Nunca fui boa em dobraduras.

(Texto, excelente, muito diferente do comentário meu.)

beijos, Daniel e saudades.

Anônimo disse...

Que o seu pássaro voe e encontre o caminho. O meu ainda está aqui. Também saiu de tentativas frustadas de tentar dizer aquilo que não dá pra explicar. O problema é que ele está reprimido, preso na gaiola e eu tenho medo de soltá-lo. Preciso fazer isso o quanto antes, suas asas batem em busca de novos ares, quer respirar, viver novamente.


Amei o texto!

Fragmentos de Elliana Alves disse...

Parabéns dani pelo texto...
adorei querido,bjssssssss e voltrei

Dois Rios disse...

as vezes as histórias de amor terminam feito dobraduras de papel atiradas ao canto como meros papelitos.

texto muito bonito... me identifiquei muito com ele.

beijo,

Marco Antonio Araujo disse...

Você não perde esse poder de surpreender, mesclando palavras suaves com sentimentos profundos.

É por isso que eu digo que cada visita aqui vale muito a pena.

Clarice disse...

Daniel, torço pelo pássaro! E torço para que suas palavras continuem após voar por ai, a pousar na velha casa.

Renata Dias disse...

Olá, tudo bem ? Texto muito bom! A primeira impressão que o pássaro passa na foto é de sensibilidade , mas assim como os pássaros o queremos é voar!!! Convido para ser participante em meu blog, que logo completa um ano, não tem muitas coisas escritas ainda, mas está a caminho!!! ESPERO SUA VISITA!!!

Bárbara M.P. disse...

Isso não se faz.

Beijo, Daniel.