07 setembro, 2008

A batalha de um menino



Se eu parar pra calcular o tanto de anos que já se passaram desde aquela batalha, minha mãe do céu, vou é me perder nas contas. Foi intenso demais aquilo tudo, meu Deus. Tudo acontecia dentro desse corpo aqui já arqueado pelo ir-e-vir das estações do tempo. Era o menino duelando com a couraça velha que lhe impuseram no lombo, acredita? Sabe esses pintinhos doidos para ver a luz do sol? Pois então, esse menino que morava dentro de mim era inquieto que só. E de tanto que bicou a casca, ele conseguiu a proeza de furar o ovo que lhe protegia do mundo. Como é que se diz aí na boca miúda do povo? – “Esse nasceu de seis meses”. Pois ele nem trinta dias completou. Tratou de escapulir daquele arcabouço gasto e viu logo de cara umas cores rajadas que chegaram a lhe ofuscar os olhos. Também pudera! O danado resolveu escancarar logo a janela de sua própria alma, ansiosa em admirar o mundo novo que lhe prometeram. Sim, ele nasceu certo de uma promessa que lhe fora feira nos tempos mais remotos: dar luz, força e beleza a quem se sentia cansado dessa vida severina. O menino não hesitou em vestir depressa suas cores prediletas: o azul estampado como bandeira dos olhos, e o ouro que fazia questão de ostentar no peito aos inimigos que acusavam o dono daquele corpo que não ter brilho algum nessa terra. Assim, ele conseguiu soprar ânimo numa risada já cansada de achar graça nas coisas do mundo. E desse sopro que lhe escapava os dentes, ele brotou sem querer no quintal da velha casa um pezinho de regozijo. Era pra celebrar, à sombra da árvore, sob a luz do tempo, a jovialidade a ele devolvida e a alegria de novamente poder viver. Agora em paz.

 

[Texto dedicado aos amigos mais próximos e, sobretudo, à minha mãe, que hoje faz aniversário. Nosso amor prevaleceu. A alegria foi resgatada. O resto está aí, emaranhado nas palavras deste texto. A música de inspiração: “Afoxé para Logun”, na voz de Clara Nunes]


5 comentários:

Dauri Batisti disse...

Clara Nunes me lembra infancia. Um mundo que está ali no passado e já está tão longe.

Poeta Mauro Rocha disse...

Ola!! Muito bonito e parabéns a sua mãe.Publiquei novos poemas, no estilo haicai, espero que goste!!!

um abraço!!

MAURO ROCHA

Clarice disse...

Vim aqui tantas vezes e nada de você e nada de palavras ... e um belo dia volto e para minha grande surpresa: você em palavras. Tenho que confessar que me aproveitei. (risos!) Que bom que tudo na Velha Casa está em paz, desejo que a celebração dure por muito tempo. beijos

J.Machado disse...

Adorei seu texto.
"Era o menino duelando com a couraça velha que lhe impuseram no lombo..." esta parte sobretudo.
Mudar é sempre bom, talvez seja necessário mesmo, principalmente se for p/ formas mais suaves.
Parabéns a sua mãe e que bom que o amor prevaleceu.
Abração.
Do amigo não muito presente em palavras.
Juca

Bárbara M.P. disse...

Olá Daniel...

Estava com saudades das tuas palavras.
É bom estar em casa, de novo.


Beijo
Bárbara