01 abril, 2009

No escuro



[Da noite mal dormida]



Ouço o escuro toda noite, quando desligo a TV do quarto para ver se consigo dormir. Tarefa inglória porque, além de ouvir, eu sinto o silêncio também. Acho que mais: eu tateio os contornos desse silêncio toda vez que me viro na cama, com o corpo calmo, mas o coração descompassado, ainda na vã ilusão de encontrar você por ali. Uma aparição qualquer, sonho delirante de quem está no ambiente próprio para tal. Mas os olhos enxergam mesmo que fechados: o que ficou foi um desenho vazio, pintura sem moldura, papel riscado, tela sem uma brecha qualquer para que eu possa, quem sabe, jogar uma cor nova.

Não faz muito tempo, eu fazia questão de dividir com você cada fração de segundos desse sentimento que corria meu avesso para chegar logo aos seus olhos. Maratona diária, porém exaustiva: será que não chega a tempo? Ou será que não deu pra ver que chegou? Hoje não tem mais isso. Divisão com zero não dá resultado mesmo. Não tem lógica, nem explicação. É tautológico: simplesmente não existe. Não tem mais como forçar a barra, como tantas vezes já fizemos, para ver se dá no final um número qualquer, nem que seja aquela infinidade de algarismos depois da vírgula, em que era preciso fazer uma aproximação para fechar definitivamente a conta. Aproximar de quem hoje? Estamos tão longe agora, não é mesmo? – eu e você, e eu de mim mesmo.

Por isso, eu repito: ouço o escuro. E por isso, eu reforço: esse é o meu escuro hoje, embora ainda ande de olhos vendados quando parto do meu umbigo doido para dar uma cambalhota. Quero ser criança de novo e ver se consigo me virar novamente do avesso para fazer irromper de mim essa galáxia que ainda insiste em aparecer ao mundo como mais um buraco negro no espaço. “Vou morar no infinito e virar constelação” (com a licença da Portela). Quero então me pincelar de estrelas e chamar de volta ao peito a nobre visita da lua cheia, antes tão testemunha daquelas histórias nossas e hoje a companheira quase fiel desses meus dias de noite em claro.

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