16 novembro, 2007

Olho mágico


o corredor está vazio. a luz continua acesa nesta manhã. é automática acende sozinha. essa minha vida essencialmente descritiva procura nos detalhes mínimos do cotidiano o quadro a quadro dos vinte e quatro quadros necessários para manter contínuo o segundo nosso de cada dia. e o olho mágico ali na porta nem faz muito sentido porque ele só emoldura dia sim dia talvez a vizinha da frente. é uma senhora que quer porque quer insistir numa amizade entre sua cadela e a minha vira-lata. mais ninguém. raramente batem na minha porta.

pois bem um belo dia quando menos se esperava a campainha tocou. o prédio não tem porteiro tudo aqui é meio ao deus-dará entra quem quer sai quando pode. é perigoso mas não me dá medo tenho a salvaguarda do terceiro olho, o mágico, que já não consegue mais esconder sua condição vetusta com as ferrugens à mostra na sua retina de vidraça.

como ia dizendo a campainha tocou embora no olho mágico a visão continuasse a mesma. era o corredor vazio com a luz acesa na manhã. quem é perguntei. sem resposta. no chão um velho clichê. um envelope sem destinatário cep ou remetente dentro um papelzinho escrito a mão caneta preta letra pequena levemente desviada para a esquerda.

Oi
Deixe-me entrar,
sou eu.

Desta vez,
vim sozinha.

O amor pede
paciência.

Avisa que
não está com pressa.

E que é para
você esperá-lo
em silêncio.

Vida.


não entendi. quem é essa pessoa de que eu nunca ouvi falar? desconheço por completo. abri a porta com certo medo pra ver se pelo menos pegava alguém no elevador mas nenhum vestígio do carteiro do porteiro ou de mais quem quer que fosse. tranquei tudo e fui me deitar intrigado e só então com a mente repousada no travesseiro é que me dei conta do recado.

levantei correndo e volto à porta desta vez atônito. eu havia instalado erradamente o olho mágico. tudo errado. tudo ao contrário. a vida que assinou o recado tentou abrir a sua porta para mim. e a visão que eu tinha por meio do olho era reflexiva. era o interior da minha casa. o corredor vazio com a luz acesa na manhã. pelo menos agora o recado me faz companhia. nem que seja para lê-lo repetidas vezes. até que toquem a campanhia ou batam na porta novamente.


2 comentários:

Anônimo disse...

(Knock, knock, knock)
Lindo mesmo!!

Anônimo disse...

"Disse o mestre:
- Costumo falar em parábolas para que a verdade grave-se nas almas..."
Jorge Luis Borges, Os Conjurados

Bela parábola