26 dezembro, 2007

Sobre o Natal


“Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.”
[Fernando Pessoa]



Esperei encerrar o dia 25 para rascunhar duas ou três impressões sobre o Natal. Tarefa difícil, pois este ano a frieza superou a tristeza habitual da noite. Mais do que celebrar a família e o nascimento, a ausência provocada pela morte reverbera nos corações iluminados apenas pelos piscas-piscas da árvore montada no canto da sala especialmente para a ocasião.

A frieza a que me refiro foi servida durante a ceia, que reuniu alguns dos entes mais queridos. À mesa, repartiam-se risos e palavras que, apesar de positivas, não refletem o espírito de união e confraternização apregoado pelo sino pequenino de Belém.

Os presentes são burocráticos: envoltos por uma embalagem e por um belo laçarote, não há nada comprado em especial, pensado exatamente no gosto ou feição daquela pessoa. O momento serviu apenas para constar nesta tradição inventada que, se é feita por tabela, o homem poderia ter “a fineza de desinventar”, lembrando bom e velho Chico.

Brigas ou ressentimentos? O Natal seria a deixa mais adequada para abrandar qualquer nesga que ainda habita os corações nas alturas. Mas optou-se por recorrer ao velho tapete de franjas, fiel testemunha dos maldizeres alheios embaixo dele escondidos.
Só à noite, sorrateiro, é que esse tapete começa a apurar os acontecidos na casa. Na sala arrumada para a festa natalina, foram estendidas no dia duas corredeiras novinhas, numa tentativa de cessar as intrigas, fofocas ou mexericos entre as mágoas da casa, reunidas antes num só local.

À meia-noite, veio o tradicional abraço, imediatamente seguido do “Boa noite” bocejado pelo cansaço. Eis o momento mais glorioso da noite, quando a sinfonia das portas e fechaduras revelou a solidão de cada personagem desse presépio. Na manjedoura, o Menino Jesus ainda sorria, iluminado, com suas pernas abertas e mãos para o alto, numa espécie de pedido de salvação.
Pois o messias empalhado sabe que seu destino é a cruz do tempo: ser guardado numa caixinha rumo à última prateleira do armário, até que o ciclo se vire para mais um Natal em família.

Com a última luz já apagada (exceto a da cozinha, para uma das tias não errar o caminho do bebedouro), fiz minha oração habitual já deitado à cama, que foi finalizada pelo “Amém” nosso de cada dia, pronunciado já de manhã, num levantar esbaforido para chegar ao trabalho. Na velha casa, o Natal aconteceu assim: cada um por si e Deus por conta dos mais pobres. Afinal, alguém tem sempre que fazer o serviço mais pesado.

3 comentários:

:: Daniel :: disse...

[Aos amigos: O fato de eu, declaradamente, não gostar de Natal não me impede de desejar o bem a quem eu quero bem. O Natal me serve como um ponto de partida para que meus bons fluídos se elevem aos amigos até a virada de mais uma página dessa história. Por isso, saúde, sucesso e amor, fundamentalmente o amor, são os meus sinceros votos a vocês para o ano que chega]

Carol Timm disse...

Querido Daniel,

Entendo o que fala. Natal para mim é uma grande saudade... mas a vida não para enquanto sinto pena do que já passou! Isto é fato! Apenas posso me alegrar por ter tidos bons natais que lembrar hoje.

E ainda são bons os de agora, apenas diferentes. Este ano, por exemplo, meu afilhado de três anos de chapeu e barba de papai Noel entregava os presentes.

Alguém me perguntou o qual o presente que mais gostei nesse Natal e eu apenas disse: O Felipe Noel.

Beijos e um ótimo 2008!
Carol
Carol

J.Machado disse...

Grande Daniel!
Sinto mais falta daqueles momentos depois da ceia de Natal, em que sentávamos e contávamos casos até o sono chegar.
Os de hoje não me fazem mais diferença. Apenas me despertam o sentimento nostálgico dos velhos bons tempos mortos.
Neste por exemplo, trabalhei toda a noite. Confesso que fiquei meio triste por estar só, pelo menos estava fazendo algo que gostava.
Esse foi o meu presente!