18 fevereiro, 2008

Prosa com os botões


Tenho conversado muito com meus botões ultimamente, sobretudo nos momentos de tormentas mais intensas. Nessas horas, eles acabam por ganhar função dupla: além de servirem, claro, como peças que fecham as próprias vestes, os botões funcionam também como uma espécie de cadeado do velho baú, que às vezes abro para guardar os medos, temores, pudores, dissabores e certos arrependimentos colecionados pelo tempo.

Curioso pensar em confiar seus segredos a esses botões, pobres seres arredondados que se apresentam ao mundo (pelo menos, no meu caso) tão pequeninos, mas que cumprem muito bem o papel de reservar o buraco da fechadura que tranca aquele grito ainda preso pelo não-vivido. São os botões que mediam o meu público e o meu privado. Eles são os limítrofes do sorriso e da tensão que desfilo pelas ruas.

Quando fechados, os botões, devidamente aviados, minam a eterna resistência de me mostrar ao mundo de uma maneira mais despreocupada ou mais relaxada que a de costume. Já quando abertos, sabe-se lá por qual motivação, esses botões despem parte de um coração que ainda prefere se esconder em suas próprias veias e artérias a pulsar num peito aberto para os próximos que me cercam.

Mas observem, caros senhores: não falo aqui em desnudar-se perante o mundo. O menino até consegue se despir de certos pudores seus, mas não de todos aqueles que ainda insistem em afugentá-lo. Abotoado ou não, o véu de sua insegurança permanece intacto, mantendo logo atrás a tempestade que serve de morada a essa mesma criança.

Por ora, não vejo rasgos, costuras ou retalhos que dêem conta de sua abertura hoje. Nem enfiando no véu o facão cego até o cabo, nem fazendo uso cirúrgico do bisturi da realidade. Só visualizo mesmo o véu escancarado no dia em que eu tomar coragem de encarar o espelho, nu e despido, de forma a enxergar no reflexo do meu passado um caminho para encontrar a verdadeira face da criança, que ainda esconde com as próprias mãos sua vergonha pudenda.

Ainda defendo a seguinte tese: é preciso antes olhar para trás para depois seguir adiante, seguir em frente, em linha reta. De preferência, com seus próprios botões. Quem sabe a companhia deles não ameniza um pouco o desconforto da solidão durante o trajeto.


13 comentários:

Renato Ziggy disse...

Gente, os meus botões acabaram de me dizer que sou um ingrato, porque jamais pensei em fazer "honrosa homenagem" para eles, descrevendo-os de forma tão bela e poética. Hehehe! Poxa, gostei demais, Daniel! E parabéns pelos selos... vou lá colocar seu nome. Rsrsrsrs! É que eu não sabia. Inté!

Anônimo disse...

Belíssimo texto. Nos faz refletir (e muito). Adorei!
Primeira vez aqui mas com a intenção de voltar outras tantas vezes.
boa semana =)

Anonimo disse...

Texto bastante visceral, é preciso coragem para autopsiar os próprios medos e desafios, e seguir em frente convivendo com eles, ou buscando novas perspectivas.

Abraços.

o Cronista disse...

eu uso meus parafusos? será q serve,
botoes soa tão sexagenario!

Bárbara Matias disse...

gostei mto dos diferentes usos de uma mesma palavra e o joguinho q fez com as idéias do texto.

Virei aqui mais vezes!
Obrigada pela visita!!!

Bjos!!

Guilherme Côrtes disse...

oi Daniel, obrigado pela visita e pelo elogio, pode adicionar aí! é uma honra.

gosto das imagens e da peculiaridade de tratar do assunto nesse texto. vou te adicionar no meu blog também.
um abraço.

Marina Mah disse...

olás, moço!
Adorei a visita e a incrível coincidência!

"esses botões despem parte de um coração que ainda prefere se esconder em suas próprias veias e artérias a pulsar num peito aberto para os próximos que me cercam."

Mas, de vez em quando, vale a pena deixar os botões abertos e encarar de peito o porvir... Pense nisso!

Virei aqui mais vezes visitar sua "Velha Casa".

Beijo grande e muito prazer!

R Lima disse...

Vc nem notou mas em igual conjuntura os botões com quem tanto falam estão todos aqui te ouvindo e emitindo opiniões.

Somos todos botões nesta seara louca e produtiva que se chama "blog".

Aqui e ali nos encontramos.

Bjs,



Texto de hoje: eScrItoReS...

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O AveSSo dA ViDa - um blog onde os relatos são fictícios e, por vezes, bem reais...

Nando Damázio disse...

É verdade, às vezes, na falta de um par de ouvidos para nos cmpreender, os botões se tornam nossa melhor companhia !!

Juliana Almirante disse...

Que perfeição...

Acho que converso com meu botões, com os fios do cabelo, com a linha da calça, com o que não tiver ouvido, simplesmente...rs

Beijo

J.Machado disse...

Preciso conversar com meus botões mais vezes, pedir mais conselhos.
Talvez assim não fizesse tanta bobagem...
Também preciso de botões pra me trancar dentro de um baú. Esquecer que a vida existe e "pedir licença do mundo."
Abração pra ti!

Marco Antonio Araujo disse...

Taí um texto emocionante. Você é bom nisso... e a música que estou ouvindo agora (Jeff Buckley - Hallelujah) acho que influenciou mais ainda o efeito do seu texto.
Depois sou só eu que tenho que desafogar mágoas né?!

Marco Antonio Araujo disse...

E estarei deixando um selo para você em meu blog.
Abraço!