13 abril, 2008

Prezado



Prezado Daniel, como vai?

Há tempos você quis me esconder de mim, mas já não dá mais, não é verdade? É chegada a hora de nos conhecermos. E eu resolvi me apresentar hoje porque vi que, nesses últimos dias, o quanto você estava agitado.

Sua ansiedade era medida por um esfregar forte e contínuo das suas mãos. Tudo bem, eu sei que esta é uma de suas manias quase intransponíveis, mas nem adianta argumentar que se trata de um cacoete herdado da mãe. Sei bem que o é, mas desta vez você o potencializou, meu caro Daniel, como uma forma, acho eu, de não conseguir conter no corpo a energia que te inquieta aí dentro.

Não me vem ao caso perguntar o que, de fato, aconteceu. Você deve saber melhor do que eu, suponho. Mas vim aqui lhe ceder um ombro amigo e, quem sabe, bater um samba antigo, como canta nosso bom e velho Chico, para rememorarmos juntos a leveza que à vida é bastante característica.

Como não acredita que isso seja possível? Claro que sim, meu caro. Inclusive eu bem sei que você já experimentou desse espírito leve em vários momentos da vida. Lembra, anos atrás, as corridas de pique quando criança? As mãos enfiadas na terra, sujeitas a toda sorte de doenças, mas também à alegria de tocar a natureza, tão distante do seu apartamento no sétimo andar?

Lembra o rosto molhado com a água da mangueira, o cheiro doce do bolo quente feito de tardinha pela sua avó? E os seus bonecos? Ah, eu ainda posso vê-los, todos ali no quintal, devidamente prontos para guerrear com você a mais doce das batalhas infantis: a do tempo, que insiste em passar e a gente, às vezes não se dá conta.

Então, se acalme, Daniel. Relaxe, como diriam os neo-terapeutas de plantão. Não deixe que os outros aí da rua ao lado te aperreiem com picuinhas do dia-a-dia. Nem se deixe abater demais no seu próprio ringue. Sei que você às vezes é briguento, marrento e orgulhoso. Não precisa tanto. Apenas respire.

O quê? O ar está pesado demais? Nada disso. Vamos lá, nade para cima. Saia dessa morada azul-marinho do seu oceano e venha celebrar comigo a alegria de poder respirar a leveza fora d’água. Mas se o medo o acompanhar na travessia até o ar livre, lembre-se das palavras de quem você tanto admira, João Guimarães Rosa: “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.

Portanto, nada de frouxidão. Se ainda sim achar que as dificuldades persistem, deixe de dormir duas horas nas suas tardes depois do trabalho e encare a correnteza com coragem e firmeza. Garanto que lhe será favorável na chegada. Pode acreditar.

E conte comigo. Sempre.

Boa sorte,
Daniel, da velha casa.

15 comentários:

Bárbara Matias disse...

É de tocar tanto o que você escreve....

Precisamos mesmo de coragem e firmeza para enfrentar... e enfrentar, decidir, ser!

Maravilhoso, prezado, seu modo de se dizer, seu modo de dizer a si próprio.

Agora quem tá sumido é vc!rs...

Bj.

m. disse...

Gosto de rememorar e por vezes me perder. Só quando é preciso. Só quando eu quero. Muito bom. Parabéns!

Marina Mah disse...

Muito bom! Gostoso de ler!
Tive que me segurar para não ler o final, o remetente, antes da hora.

Passeando pelo "O Mundo de Sofisma", onde não ia já ha algum tempo, e me emaranhando por aquelas linhas tão gostosas de ler, me lembrei de você quando li: "Porque a espera faz a gente pensar no mundo de dentro." (Filipe Garcia)

Acho que não preciso dizer mais!

Beijo grande!

FlaM disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Guilherme Côrtes disse...

Oi Daniel! primeiro queria dizer lá da sua entrevista no blog ´´entre vistas´´... caramba! mais do que merecida, confesso que me assustei quando li sua idade. de fato, vc passa tanta juventude nos seus textos que eu achei que vc fosse mais novinho, rs. enfim, fiquei feliz em te ler lá, seus textos me emocionam bastante. e ah! seremos companheiros de profissão.

quanto a este, especificamente, deu pra notar um recado da juventude pro Daniel fora da velha casa... bacana isso, o íntimo.
um abraço.

Anônimo disse...

Toma as mãos dele então, menino Daniel, e deixa ele te guiar...

Beijos.

Camilinha disse...

é... nada como uma convesa franca e aberta...rs


beijos daqui...

Unknown disse...

A vida... Felizmente o caminho nao somos nos que escolhemos, no maximo podemos nos dirigir entre as margens dele. E voce nao imagina o quanto ele torna-se maravilhoso.
Abração.

Bárbara Matias disse...

Ei Dani!

Li todos esses últimos textos.. e jurava que tinha comentado.. agora que fui ver que nao! Desculpe!Descule msm!

Gostei tanto desse prezado rapaz... desse prezado. Gostei dessa idéia. Gostei da carta. Aliás qdo é q num gostei do que vc escreveu? =D

Ah.. agora quem tá sumido é vc!

Bjim.

Anônimo disse...

Olá, Daniel!!!

Que sorte a minha "encontrar" um blog como o seu. Mas, confesso uma coisa...ele vicia...rs

Sou nova nesta "área", mas fique sabendo que serei frequentadora da sua velha casa, isso é claro, se permitir.

Ana Cláudia Zumpano disse...

adorei essa auto-reflexão...
é bom conversar consigo mesmo!
bjos ;*

Marina Mah disse...

Vim à sua Velha Casa apenas te fazer uma visita.
Como anda o Daniel? Aceitou os conselhos do Daniela da Velha Casa?

Um sorriso para alegrar.

Tudo ou nada ... disse...

Riquíssimo seu texto. Rico em tudo mesmo, nas palavras, emoções, perfeito.
Parabéns
Abraços

Patrícia Oliveira disse...

Oi daniel,
adorei seu blog, seu cantinho de encontro consigo mesmo e de comunhão de emoçoes.
sou nova nessa empreitada!
gostei muito da sua casa e gostaria de visitar mais vezes...se me permitir, mesmo q sem bater n a porta!

abraço

Mimi disse...

Se eu escrevesse assim, tão honestamente para mim...
Corajoso, Daniel!

um beijo

(seus textos me tiram as palavras sabe? fico bobinha, sem saber o que escrever...)