11 maio, 2008

Mamãe e eu

Minha mãe sempre primou pelo silêncio. E pela fala do seu olhar, que vela as palavras quando, na minha opinião, precisam ser proferidas. E eu as espero tanto, mãe. Por isso, acho que sempre busco provocar nela risadas, contando casos e casos.

Invento até, confesso. Quem conta um conto aumenta um ponto, e para minha mãe sou capaz, acho, de pontuar exclamações em cima das reticências dela, só para guardar sua um pouquinho da sua gargalhada comigo.

Mas hoje foi diferente. No carro, nós cantamos juntos. Eram músicas do tempo dela, músicas que eu me apropriei com o tempo e algumas que ficaram no tempo. Ela, entre a rememoração das letras e a comedição da voz; eu, mais esfuziante ao volante, estimulando-a também com certa discrição para não constrangê-la diante do motorista empolgado.

Foi bonito. Entre marchinhas antigas dos salões, Ney e Nana, coroamos o Dia das Mães com a voz e o volume altos ao som de “Os sertões”, samba apresentado por uma escola chamada Em Cima da Hora em 1976. A letra, apesar de triste, é belíssima.

Interrompendo a continuidade dos versos, ela fala: “Eu sabia cantar esse samba todinho”. “Mãe, a senhora ainda sabe”, respondi. E seguimos de braços dados pelo corredor, cantando, até cada um chegar em seu quarto.

Bom ouvir a voz da minha mãe quebrar seu próprio silêncio com a música.



“Os sertões”
[Em Cima da Hora, 1976]

Marcados pela própria natureza
O Nordeste do meu Brasil
Oh! Solitário sertão
De sofrimento e solidão
A terra é seca
Mal se pode cultivar
Morrem as plantas e foge o ar
A vida é triste nesse lugar

Sertanejo é forte
Supera miséria sem fim
Sertanejo homem forte
Dizia o poeta assim

Foi no século passado
No interior da Bahia
Um homem revoltado com a sorte
Do mundo em que vivia
Ocultou-se no sertão
Espalhando a rebeldia
Se revoltando contra a lei
Que a sociedade oferecia

Os jagunços lutaram
Até o final
Defendendo Canudos
Naquela guerra fatal




10 comentários:

FlaM disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carol Timm disse...

Oi Daniel,

Bonito seu dia!

Minha mãe também gostava de cantar antigas marchinhas de carnaval...

Gostei de lembrar disso...

Beijos,
Carol

Vanessa Leonardi disse...

Até hoje minha mãe canta.
Lindo o que escreveu, gostei muito daqui.
Também fiz homenagem pra minha, se gosta de ler, visite.
http://saiasdefilo.blogspot.com/
.
Beijão Daniel
.
Voltarei mais vezes
.

leila saads disse...

Concordo com a Flam, suas palavras sempre emocionam, até - ou principalmente - quando retratam momentos aparentemente simples que poderiam passar em branco, se não fosse pelo olhar atento de quem o vive.

Beijos!

Dayane Carmona Poeta disse...

Que bela homenagem..
O bom é saber ouvir além do silêncio!
Beijos :*

Anônimo disse...

Rapaz, quando vai sair o livro?
Lindo demais.
Bravo.

Grazi disse...

Lindo texto! Adorei!

Anônimo disse...

Belo texto!! Mas melhor que tudo é o sentimento que você demonstra em cada linha. Parabéns ao filho e à mãe!

beijos,
Rose

**minha mãe adora ouvir Marisa Monte :)

Camilinha disse...

Muitas vezes, a pessoa que tá mais perto é a pessoa com quem menos conversamos... por motivos diversos, claro.

Mas, muito lindo seu texto, me fez lembrar meu relacionamento com minha mãe... que é tão difícil porque nós duas somos praticamente mudas...hehe

beijos daqui...

Tudo ou nada ... disse...

Simples mas muito profundo no que quis passar.
Abraços