09 dezembro, 2008

Velho de guerra



Num relacionamento, há de se ter certas batalhas. Seja para compartilhar os louros de uma vitória ou também para servir de suporte, em caso de perda ou derrota. Gosto de andar com as quatro pernas compassadas, mas às vezes é preciso recuar para puxar a outra metade, estacionada por um motivo qualquer. Sim, eu disse metade, porque eu me entrego mesmo, de corpo aberto, para unir forças a você. Quero ser nós dois um só, é dessa maneira que eu projeto o amor. Por isso, nas suas batalhas, não hesito, não titubeio, nem meço esforços em partir para o ataque. Fico na linha de tiro, esbravejo com os que estão à minha frente, enfrento tudo e todos. Eu me ceifo, dou meu jeito, doa a quem doer. Nessa hora, eu desconheço a natureza do medo. O que me interessa mesmo é erguer o braço no final e poder dizer: "Taí, vencemos mais essa", mesmo com o rosto talhado pela luta. Me sinto como a música do Chico: "Cansado de tanta guerra / crescido de coração". O problema está quando a peleja é minha. Você parece se esconder na trincheira a pôr a cara à tapa e enfrentar meu tiroteio. Prefere se resignar, deixando a impotência em punho atirar a esmo, para o alto, sem alvo certo. Guerras diferentes? Pode ser. Mas eu também quero te ver na linha de tiro por mim. Não adianta dizer que sua estratégia é outra -- agir na surdina, no silêncio, só com a presença. Preciso de movimento, lembra? Até porque este já é um coração velho de guerra, que não quer se dar por de todo vencido.

08 dezembro, 2008

Atrasado



Hoje acordei atrasado para o trabalho. Muito até. O primeiro contato com o mundo desta segunda-feira, com o relógio do celular, já indicava: eu deveria estar lá. Pego cedo no escritório. Por isso, não hesitei: corri no banho, corri no café, mais ainda de carro e depois pelos corredores. Mas a mente, mesmo forçada a ser rápida logo no início da manhã, ainda permanece meio ébria, meio zonza. Nada de bebedeira, nada de saideira ou excessos de domingo. Penso que é a felicidade por ter, finalmente, dormido bem por um bocado de horas. A cama hoje estava mais macia do que de costume, e o travesseiro voltou a dialogar comigo. Ele ainda não abriu suas cortinas de todo para mostrar o velho tablado em que ensaio alguns dos meus sonhos, mas serviu pelo seu abraço à mente antes cansada.


Na trilha sonora, ainda Queen: “I want to break free”




07 dezembro, 2008

Uma canção



Um exercício para a noite de hoje: tentar decifrar que sensações me batem quando ouço essa música. Não sei se é por descobrir, tanto tempo depois, a pungência de uma voz; se é o som do piano e da guitarra; se é por ver a sua felicidade ao cantá-la a plenos pulmões; ou simplesmente por voltar àquela noite nossa, de mãos dadas e de coro uníssono –- eu e você, lembra?

De uma coisa eu estou certo: todas essas imagens me são comoventes. "Ouvindo tudo que vejo, vou vendo tudo que ouço" -- já cantou um samba-enredo. E exatamente essa música e as sensações a mim inéditas serviram de regozijo para uma respiração antes pesada pelo cansaço. Hoje vou esmiuçar o peito para me descobrir novamente com você. Sua presença, minha saudade me estimularam a isso.







Do barro...



Meu sentimento por você é como o barro. Substância que logo no primeiro instante foi divinizada por nós dois e, desde então, modelada a quatro mãos. Nunca tivemos medo dos inevitáveis clichês do amor, embora esta parecesse ser uma experiência inédita para ambos: a vida nova que passou a ser sonhada, projetada e construída juntos. Por isso, hoje lembro com certa calma as muitas das vezes em que vimos se esfacelar toda aquela estatuaria guardada na estante da velha casa, tantas foram nossas lágrimas ao longo desses doze meses. Mas só se chora por quem a gente, de certa forma, sente. Eu posso garantir que, mais do que gostar, amar ou querer, eu te sinto. Em mim. Sobre mim. Outro detalhe importante: o bom do barro é que a matéria-prima, mesmo derramada, continua ali, pronta para ser refeita e novamente burilada. É morte e vida ao alcance das mãos. Este é o nosso amor -– cíclico e imprevisível. Basta apenas nossa sensibilidade para, juntos, recuperar e recriar dia a dia a beleza de toda essa alvenaria.


Escutando: "O mundo de barro de Mestre Vitalino"
[Samba do Império da Tijuca apresentado em 1977 e reeditado para o carnaval de 2009] 






Nordeste novamente é lembrado 
Na figura de um humilde escultor
Vitalino, com seu mundo de barro 
A terra que Deus criou, ele valorizou

Poeta no sentido figurado 
De uma simplicidade sem igual 
Que fascinado simplesmente 
Retrata o Nordeste, sua gente 

Grupo de bravos soldados 
Camponês e lenhador 
Boiadeiros e rendeiras 
Lampião e seu amor 
O caçador com seu cão a farejar

Tudo isso lá na feira
É louça de brincadeira
Feita de barro-tauá

Folguedo do maracatu
Uma festa tradicional
Onde o poeta
Se fez internacional

Olha o boneco de barro 
Quem quer comprar 
Leva boneco freguesa 
Pras crianças se alegrar



Autocontrole




É uma doutrina diária: dosar a calmaria com a intemperança. Ou seria impulsividade? As duas caminham juntas comigo. Não avisam a hora que desejam se revelar ao mundo e tomam minha cabeça sem qualquer aviso prévio. A fala tenta ser mansa, mas como dialogar com a calma se as sobrancelhas já se arqueiam pelo acesso súbito de raiva? São gestos abruptos, à revelia de qualquer controle, que costumam provocar mais espanto nas pessoas, já que à primeira vista a voz soa calma e baixa demais para aqueles que me têm como exemplo de placidez. Não o sou, de fato. Vivo em mim a combustão do inesperado, mas confesso que gostaria de domar um pouco melhor esses momentos. Ter um pouco mais de tino, o tal do fino trato para exercer o autocontrole sacro de cada dia. Precisamos dele, porque sempre fujo de mim quando me exalto. E depois choro a tempestade que chove dentro de mim.