02 junho, 2009

Patologia


Tinha ela uma dor no peito perene. Era acometida toda noite, na hora em que mais pensava em repousar. As ordens do corpo, sobretudo de suas pernas, eram dissonantes às do coração, carente que só ele. Queixava-se a moça o tempo todo de uma ausência por ela própria sentida. Ou seria uma presença imaginada? Que nunca existira? A dúvida rolava cama adentro. De concreto mesmo, só a imagem da falta. Porque a dita cuja ela nunca vira de fato, de corpo presente em seu quarto, tangível aos olhos, às mãos, à sua boca com sede de amor. Como então ela consegue soluçar por aquilo que nunca teve? São coisas do coração, disse certo dia uma amiga. Mentira. Coisas da cabecinha da pobre garota, ainda afoita por não diagnosticar sua doença diária: o amor. Sim, aquele de espécie patológica, viral, que não enxerga, não pondera, não sente. Simplesmente se autocondecora digno e nobre só pelo fato de no mundo existir. Mais uma mentira. Nobre é reconhecer seu papel -- e ele, esse amor, é tão soberbo ao ponto de não se deixar diminuir diante do seu real tamanho. Invade a fronteira do real vestindo a forma pontilhada do imaginário. E ainda com rosas em punho. Dá para acreditar nele? Ela ainda cria. Efeito da tal doença tão mesquinha que deu no coração da moça, mas deixou seus batimentos iguais aos do cursar do dia. No máximo, sentia uma pontada, que acusava a tal falta daquilo que nunca tivera na vida. A dor mesmo se reveza entre a esquerda e a direita da cama. Era a procura, no fundo, de algo que ela ainda não teve, mas que a noite permitia sonhar um dia lhe pertencer.

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