16 outubro, 2009

À toa [ou ‘Oxossi’ ou ‘Pais e filhos’]

Onde já se viu nessa vida um filho maldizer o próprio pai? Deus me guarde, faça logo o sinal da cruz antes que qualquer maleita lhe ocorra tamanha a gravidade do seu pensamento, menino. Mas é verdade, minha senhora: que pai é esse que insiste em ser carregado pelo vértice mais fraquejado da casa? Como pode cobrar tanto de quem só quer leveza nessa vida – e tentou dar a quem tanto tinha valor? Pai assim não merece o filho que tem, não pode merecer, mas há quem já tenha escutado na vizinhança: foi pouco o que o mocinho fez pelo velho. Eu juro: tem gente que insiste em apontar uma falta, embora o que reverberasse mesmo ali era a falha da relação dos dois. Não bastaram as confissões, as entregas ou a confiança depositada em todo esse tempo. O tal pai, dizem, tem andado ultimamente com tanto cabelo na venta que, coitado, nem o diabo mais aguenta. E danou a cobrar o que não podia, numa intempestividade imprevisível que poucos dão conta. Ou aceita logo o amor do filho que tanto um dia te quis ou então renega essa criança logo de vez. Não dá é para deixar a cabeça do menino assim, confusa, diante desse furacão todo montado num palco de incertezas. Pois vai chegar uma hora em a despedida vai mudar de prumo. E aí, minha senhora, talvez seja tarde demais para esse pai desmanchar o desengano e mostrar que, na verdade, ele ficou tão atordoado à toa.


“É muita mágoa
Nem mesmo o mar
Tem tanta água
Pouco prazer pra muita lástima
Haja milagre
Pra tristeza se acabar
É muito pranto
Tem povo triste em todo canto
É muita dor pra pouco santo
E o santo vira dois
É santo e é orixá”
[“Santo e orixá”, de Paulo César Pinheiro]



2 comentários:

Marcelo Mayer disse...

vai, vai, vai! chorar!
vai, vai, vai! sofrer!
vai, vai, vai! amara
vai, vai, vai... dizer que e não sou ninguém de ir.....

Ale Danyluk disse...

As tantas impressões e imprecisões dessa nossa vida, desse nosso mundo.Suas palavras me tocam sempre.
Muito bom
Ale