16 abril, 2012

Pela fresta

Relutei muito em bater à porta. Não queria ver, depois de tantos anos, como você estava. Mas, de sobressalto, como uma pedra que cai do alto, sem dono, sem mira, você surgiu e forçou uma entrada até então não desejada. Eu quis deixar tudo pra trás, quis fazer da velha casa uma outra morada -- ou quem sabe até encontrar um outro cantinho com mais sossego. Você, mesmo não sabendo, mesmo desavisadamente, conseguiu me encontrar. Eu estava aqui de mãos atadas, ainda sem prumo, mas sempre à espera de alguma notícia sua. Hoje, da fresta, vi de longe seu sorriso. Você me pareceu diferente. Na minha época, parecia um filhote solto no mundo, com as vestes rotas e maltrapilhas. Hoje você mudou. De certa forma se mostra reluzente entre os pares que comungam dessa sua felicidade suprema. Por um instante, queria estar por ali perto. Por outro, me lembrei do quarto desarrumado que você deixou naquela saída abrupta. Tentei arrumar aos poucos, mas muito ainda estava trincado. A bagunça, no entanto, me era de certa forma acolhedora. Gostava de revistar os papéis soltos que ficavam no chão da velha casa. Por isso, nem pensava em um dia revisitá-lá. Até o exato instante de você novamente aparecer. Foi como naquele primeiro dia: sem muitas palavras. Apenas o olhar, um pouco do sorriso e o apelido que volta e meia ainda se assobia por aqui -- consoante-vogal, consoante-vogal. Talvez você não me tenha percebido naquela frestinha ou pelo olho mágico, mas eu estava lá o tempo todo, aguardando -- ou quem sabe guardando -- você. Pena que você não quis entrar. Pena.

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