24 novembro, 2007

Refluxo


Na Bíblia, diz-se que no princípio era o verbo, a ordem de Deus em criar seu mundo. Para mim, o princípio começa um pouco antes: na palavra, esse elemento simples da nossa linguagem. E muitas das suas palavras me chegaram com a devida cerimônia, sempre doces, ternas e acolhedoras.

Mas uma centelha dessas letras suas (poucas, é verdade) tem reverberado aqui dentro com certa violência. Arrisco dizer que essas poucas palavras por você proferidas, mesmo sob a égide do inconsciente, provocaram aqui dentro uma espécie de abalo sísmico. No lugar comum ou no popular, é como comparar com uma tsunami.

Em mim, ficaram as reações violentas que não controlo. Susto, tristeza, ojeriza, tudo vem ao mesmo tempo, talvez ao seu próprio tempo. Tudo se confunde em direção a uma dor já conhecida, mas cujo nome ainda temo decifrar.

Reconheço: sou mesmo um estrangeiro no campo do amor. E hoje não tenho certeza das coisas que aqui dentro me falam. Também “não posso medir todos os ângulos do meu gesto”, como dizia Cecília Meirelles. São complexas as causas para explicar uma reação minha dessa natureza.

Poderia simplesmente perguntar: por que você disse aquilo? Mas dúvida, para mim, deriva de angústia, e no meu caso vai além do factual: por que você deu vigília ao meu desamparo? Por que se propôs a estender suas mãos para depois mostrar-me que o amor se esvai em silêncio? E qual o sentido de ser tão feroz nesse mundo?

Nesses últimos dias, não tenho dormido tão tranqüilamente como antes. Deitado na cama, à sombra da noite, me vem o refluxo da sua imagem. Do meu medo também. Aquela nossa poesia musicada não toca mais como antes. A calma amorosa hoje não embala como antes.

Mas não se preocupe: não vou ameaçar você na minha Inquisição. Longe disso. Não acuso, não cobro nem perdôo. Só sei que aquele manto de devoção que eu lhe tecia, por ora, se rasgou. E que, ainda por ora, me faltam palavras para lhe dizer isso tudo.



Um comentário:

Carol Timm disse...

Daniel,

O amor é suave, mas também pode ser cruel... são as duas faces, dois momentos do mesmo sentimento.

Seu texto é de reflexão, nos faz pensar no que já sentimos quando o amor nos mostra o outro lado. E quem nunca chorou por amor, não o viveu.

Fiquei muito feliz com sua visita lá na Casa de Leitura. O blog do Guiu é dos primeiros que visitei na blogosfera, muito antes de sonhar ter um blog.

Bem, será sempre bem-vindo nas minhas casas. Sua "Velha Casa" vai ter um link lá na Casa de Palavras.

Beijos,
Carol