29 novembro, 2007

Sentidor


As reclamações são diárias, e a impressão é a de que sempre o esforço que você fez pouco deu resultado. Em vez do obrigado habitual, o que se recebe é aquele “valeu” rebatido pela tela do computador, já que a pessoa não teve nem a pachorra de olhar nos seus olhos e balbuciar essa forma pós-moderna de demonstrar gratidão hoje em dia.

No retorno à mesa, silêncio. Externo, claro, porque dentro o “valeu” segue ressoando em cada canto da aura melindrada. Por que esse tipo de frieza me machuca tanto? Por que a ofensa reverbera? Por que a eterna sina de agradar o próximo? Viva e deixe os outros viverem, oras. Como dizia o meu avô, “Cada qual com seu cavalo” – cada um com a forma que encontrou, sabe lá Deus como, para manifestar-se ao mundo.

***

Talvez haja uma inversão de valores nessa história: ao falar da dor, eu legitimo alguém a assumir o papel de quem me machucou. Por tabela, acabo me permitindo atuar passivamente, uma espécie de auto-agente da passiva (eufemismo forçado para não precisar dizer “vítima”, que caiu na boca miúda do senso comum).

Guimarães Rosa, claro, traduz sabiamente, com poucas palavras: “Um sentir é o do sentente, mas o outro é o do sentidor”. Culpa dessa vida, que volta e meia se apresenta de cabeça pra baixo, muito embora não se trate aqui exatamente de uma dor ou de uma ferida. É coisa tola, me parece. De fato, um melindre causado por suscetibilidades de um coração ainda imberbe deste quem vos fala, um rapaz ainda em gestação com a sua maturidade. Alguém que, mais do que deixar os outros viverem, precisa antes permitir-se viver sem agruras na consciência.

[Com esse passo, resgatar a autoridade e a nobreza imaginadas me parece possível outra vez. Preciso redesenhar o mapa do meu trono]



Um comentário:

Anônimo disse...

"E até parece que às vezes nos damos nós!!"