18 janeiro, 2008

Rio e mar


Hoje, ainda com sono, as palavras pedem para serem expostas no papel. Escritas talvez não a mão, pois não pedem tanto capricho assim. Hoje as palavras estão um tanto quanto resignadas, contidas, sem saber ao certo que rumo tomar, sem saber ao certo se olham para a direita ou para a esquerda antes de atravessarem a rua que divide a minha placidez da agitação peculiar de cada dia.

Esta é uma sensação perene: a de querer falar algo mesmo sem a sabedoria necessária de escolher a palavra ideal para definições, denotações ou explicações pertinentes. É algo que pulula, que reverbera, que incomoda, que grita com a mão na boca. Algo que me faz fitar os olhos nas nuvens e lembrar como era bom, antigamente, ver que no céu um sorvete de nuvens poderia se dissipar num piscar de olhos.

Vivo tenso ultimamente, atravessando a tudo e a todos com uma estupidez britânica: a voz serena, o olhar sem muito tique-nervoso, unhas intactas e pernas imóveis. Isso na frente de qualquer mortal, porque sozinho, como agora quando escrevo, os dedos falam por si, e a mente é uma profusão de pensamentos que me impede de separar o joio do trigo, o feijão bom e o grão estragado.

Um dia, essas coisas hão de sair da garganta. Torço muito por isso. Mas, enquanto as palavras ainda me têm como morada, eu as coloco na porta da velha casa. Mesmo assim, lamento por não evoluir muito naquilo que me proponho a compreender: um bocado desse rio que corta o meu mais profundo mar, como lindamente canta Bethânia.

Só me resta abrir o convés e convidar os senhores a navegar comigo. Tenham certeza de que, na calmaria ou na tormenta, serão todos bem recebidos.



“Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos”
[Cecília Meirelles]

Um comentário:

J.Machado disse...

Grande Daniel, td bem?
Este seu texto uma semelhança com um que escrevi há poucos dias. Até a foto.
Pra variar, impecável.
E faço minhas as sua palavras, é muito bacana te conhecer através das escritas de sua velha casa.
Adorei seu texto.
Grande abraço.