11 janeiro, 2008

Sol da meia-noite


O que fazer com o tanto de voz que ronda a noite da alma? As palavras não tomam forma, não incorporam sentidos nem traduzem meus sentimentos, mas vibram internamente, num trânsito confuso, daqueles em que apenas são vistos os riscos coloridos do vai-e-vem numa avenida principal de cidade grande.

Quem observa tudo isso é o menino que brinca no seu playground até o grito da mãe, chamando para o banho derradeiro do dia. No pátio, entre a gangorra e o escorrega, estão as lembranças que a infância lhe ofereceu e deixou, numa centelha de legado, a sensação da felicidade plena, sem amarras ou cenas preparadas para um prosseguir cotidiano, como se vê nos andares de seu condomínio.

Quando brinca de pique-esconde e é o menino quem vai procurar pelos amigos que tanto sonhou em ter (mesmo com um ranço sociopata de lidar com as pessoas), ele só não gosta mesmo de contar o seu “um a dez” fitando exatamente os cantos do playground. Ele não consegue ficar por muito tempo, pois lá encontram-se alguns clarões de sua memória, que ofuscam a vista da criança e a remetem a dores e dissabores capazes de arder seus olhos claros cor do céu.

E é bom mesmo que o menino siga as recomendações médicas e preserve sua vista pueril. Pois no azul que emana de sua retina está o mesmo céu sobre o qual a criança pensa em, um dia, estender a bandeira da felicidade, na sua forma mais bela.

Quem sabe, só depois do manto estendido é que ele consiga visualizar de fato o sol da meia-noite que paira sobre seus sonhos a cada madrugada de vozes intermitentes.



Preta velha imaginou uma estória e vai contar
Preta velha já falou que nós vamos viajar
Galopando em cavalos alados
Chegamos ao país das maravilhas
Iluminado pelo sol da meia-noite
Bela fantasia infantil
Recebidos por soldadinhos de chumbo
Entramos na floresta encantada
Brincamos com cata-ventos, pipas e piões
No enlace da barata e dom ratão

Jogar xadrez, pique-bandeira
Pular carniça tudo é brincadeira

Um gênio cria fogos de artifício
Os animais falam e as flores cantam
Neste lindo encanto eis o resplendor
E a magia das Mil e Uma Noites
Chapeuzinho, Lobo, Cinderela a Gata
Branca de neve e os Sete Anões
A chita correndo com o Saci Pererê
E todos falando a língua do P

P B P ru P xa
Levantando a poeira
Até a bruxa vem brincar

Olha a ciranda, vamos todos cirandar
E na terra dos brinquedos
Todo mundo recordar
Índio, malandro, baianinha, oriental
Outra vez eu sou criança e Beija-Flor no carnaval

[“O Sol da Meia-Noite, uma Viagem ao País das Maravilhas”, Beija-Flor de Nilópolis, 1980]


3 comentários:

Anônimo disse...

hummm...esse olhar de menino me é familiar....bem, passei aqui pra desejar um otimo final de semana...se cuida viu!

J.Machado disse...

Lindo texto.
Perfeito o segundo parágrafo (ou estrofe).
Saudade dos tempos de criança...já foi!
Abração!

Carol Timm disse...

Daniel,

Quem não sente saudades dos melhores momentos da infância?

É bom lembrar desses tempos às vezes e melhor ainda, alimentar os pequeninos que ainda vivem dentro da gente.

Beijos,
Carol