06 abril, 2008

Serpente



Conta uma lenda iorubá que a serpente engole o próprio rabo para indicar: eis ali o início e o fim de um ciclo. E é assim que encaro essa relação nossa: a de uma ciranda só de nós dois, agora sem um ritmo uniforme de outrora. Uma ciranda antes embalada com juras de amor e que hoje roda entre si sem mais as cantigas da nossa infância.

Meu coração já não bate mais naquele descompasso gostoso quando te via durante os primeiros encontros. Ele agora é um músculo perene, sereno, calmo. E já não é a primeira vez que te falo isso: a calmaria me incomoda – e muito. Eu preciso de agitação. Não quero mais me banhar na marola do mar. Procuro com você águas mais profundas.

Quero ao teu lado ir mais longe. Rodar, rodar, rodar até encontrar o cerne de um mundo que estamos construindo. Quero ver o fogo que existe no epicentro da terra em que pisamos e onde plantamos um futuro a colher. Quero rodar com você não mais de mãos educadamente dadas, como se vêem nos bancos da praça, e sim de braços agarrados um no outro, arrepiados com a ascensão e queda da roda-gigante, que nos alterna entre a morada mais alta do céu e o chão tenro e maduro do nosso amor.

Da serpente, fico com os movimentos cautelosos, a sabedoria de sua defesa, o tato sobre o solo do seu corpo e a experiência das mordidas. Quanto ao veneno, tenha certeza, desse já fomos vacinados. Pela vida.




15 comentários:

Bárbara Matias disse...

Nossa.... como você consegue?!rs...

Muito, muito bom!Que metáfora!!!

"E já não é a primeira vez que te falo isso: a calmaria me incomoda –e muito. Eu preciso de agitação. Não quero mais me banhar na marola do mar. Procuro com você águas mais profundas."

Que seja sublime esse aprofundar!

bjim.

Filipe Garcia disse...

Oi Daniel.

Achei tão bonita essa idéia de buscar a agitação e não a calmaria. As mãos dadas podem ser confortantes, mas os braços dados, a alma entregue, os olhos mergulhados... isso é intenso e traz também essa onda constante de amor e ternura que tanto buscamos.

Vc é bom com as metáforas!

Abraços, meu caro.

Mimi disse...

ai, também não gosto de nada calmo, morno, uff... me irrita!

Mas você sabe o que dizem sobres as cobras: ainda que vc as domestique, elas vão te picar. Faz parte da natureza.

Beijos carinhosos

FlaM disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Chega um hora em que deve-se sim aprofundar.

Quanto ao veneno uso hoje o que minha avó me ensinou: o que não embaraça nas minhas pernas não me faz cair.

Pedro Gabriel disse...

"Quero rodar com você não mais de mãos educadamente dadas, como se vêem nos bancos da praça, e sim de braços agarrados um no outro, arrepiados com a ascensão e queda da roda-gigante, que nos alterna entre a morada mais alta do céu e o chão tenro e maduro do nosso
amor".

Isso é mais do que lindo ! ( Chega a dar invejinha ahaha Invejinha = inveja boa ).

Como sempre você traz lindas imagens. Onde você vai buscá-las ? Me ensina o caminho ? haha

grande abraço!

Clara Mazini disse...

Querido Daniel,

A agitação faz mover, bagunçar os cabelos e as mãos... mas a calmaria também tem o seu lado - o de sentimento construído, fixado em bases sólidas de um gostar firme como cimento. Não consigo imaginar um edifício cheio de apartamentos, janelas e luzes que balançe ao sopro de ventos litorais. É tranquilo e espantoso ao mesmo tempo... tempo, e por muito.
Como gosto das tuas palavras. E de pensar nelas.
Um beijo.

- disse...

Por Deus, quanta calma há neste homem? quanto início, quanto ciclo, quanta prosa não contida?
adorei isso, de verdade.

Anônimo disse...

Vixi, a produção aqui tá intensa! Volto com calma depois para ler o que eu perdi.

Adoro serpentes! Uma das minhas próximas tatuagens será uma cobra linda...

E essa simbologia delas reflete completamente nossa vida, né? Em todos os aspectos.

Beijos, menino-Daniel.

Renato Ziggy disse...

Analogia linda a sua Daniel! Este foi um dos textos mais belos seus que já li... Precioso demais! Abraço!

Tudo ou nada ... disse...

Realmente muito lindo, concordo com o Mr Ziggy, um dos mais belos textos já postados aki, parabéns.
Abraços

Fernando Locke disse...

Caro Daniel! foi excelente esse seu texto! você foi objetivo, não fugiu do tema central,utilizou e algumas metáforas sem perder a concretude, teve questionamento e conseguiuprender a minha atenção! tá de parabéns!

Ana Cláudia Zumpano disse...

linda metáfora... eu ficaria com esses dons da serpente! e entendo completamente a necessidade de agitação, de voar alto, de mergulhar mais profundo!
lindo!
bjos ;*

lucas rolim disse...

Peço permissão para entrar na Velha Casa e encontrar o famoso anfitrião, senhor das metáforas... Pelo menos foi assim que, implicitamente, me apresentaram o dono desse lar.
Em relação ao texto belamente redigido, fico feliz em ver pessoas que buscam o movimento do verbo/sentimento amar. Bom saber de pessoas que, mesmo vendo a roda gigante parando, dariam todas as moedas do bolso para continuar a girar. E subir. E sorrir.

Abraços e muito prazer.

Bárbara M.P. disse...

Daniel, estou encantada pela casa velha... pelas palavras que usa de forma tão certeira, pelas frases em cascatas, pelas metáforas fascinantes... De verdade, é encantador aqui, Daniel.
...
Bárbara M.P.