28 maio, 2008

Ladrilhos



Ela conduz seu humor como numa parábola desenhada de olhos fechados, com altos e baixos imprevisíveis, confusos, inconstantes e por muitas vezes cansativos para o invólucro de sua personalidade hermeticamente fechada ao mundo. À platéia, a menina estampa uma pretensa placidez, como se nada lhe estivesse ocorrendo dentro dos olhos. Mas ali atrás estava, sim, a arena do tráfego descompassado de seus pensamentos. E não há força maior que a impedisse de ser empurrada de sua própria montanha-russa, cujas curvas tomam formas daquelas interrogações infindas, que desconhecem a natureza da resposta.

O rosto, de testa um pouco franzida, é sintomático com sua dor de cabeça, perene por fora e pululante lá dentro dela. Os poucos que a conhecem até saberiam identificar de cara que algo estranho estava lhe acometendo, mas ainda sim era tortuoso o caminho daqueles que se aventuravam a investigar. Nem a menina sabia – ou queria – achar as luzes dos labirintos nos quais costumava se emaranhar de súbito, sem prévio aviso ou motivo aparente. Seus olhos, e somente eles, pareciam naquele momento cantar ao mundo o que Caetano já antevira: “Minha voz soa exatamente / De onde no corpo da alma de uma pessoa / Se produz a palavra eu”.

Para não ser por demais indelicada com as pessoas, a menina preferia nessas horas andar um pouco mais cabisbaixa do que de costume, observando no chão a seqüência coreografada de seus passos. Era o que detinha seu controle até então, e ela estava determinada a, pelo menos, conduzir-se ao seu próprio ritmo. E, na dança dessa sua solidão, era de hábito escolher com cuidado os caminhos em que rumava por aí.

Caminhar para ela era o mais importante. Quem sabe assim sua mente desaluviava um pouco aquela turbulência, dando-lhe uma certa trégua na vida. Mas, para a menina, pouco importava se a terra onde pisava era batida, asfaltada, com ou sem percalços, até se atentar para o que até então passava desapercebido: as encruzilhadas que se formavam a cada junção de azulejos que ladrilhavam o piso do seu palco. Estavam todos para ela reluzentes, aluminando as mais diferentes possibilidades de caminhos a tomar. O caminho, finalmente, se iluminava para a menina.

Segundo os mais místicos, este é um sinal de bom presságio, já que a encruzilhada dava a ela a oportunidade de seguir para a direção que melhor lhe apetecesse. A cada passo, uma nova cor surgia por entre os assoalhos, enchendo seus olhos com aquele caleidoscópio vertiginoso montado em seu próprio tabuleiro. Naquela hora, a menina perdeu, enfim, as rédeas de seu sorriso. A claridade lhe impôs mais leveza e, surpreendentemente, ajudou-a a apagar as luzes de sua confusão, que não teve outra saída a não ser chegar ao fim de mais um ato daquele espetáculo.





[Escutando “Drama”, de Caetano, na voz de Bethânia, sobretudo os seguintes versos: “Minha pessoa existe / Estou sempre alegre ou triste / Somente as emoções”]





3 comentários:

FlaM disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mayara disse...

Esse texto me descreveu, ou pelo menos, o que estou sentindo agora. Tantas mudanças...

Parabéns pelo blog! Posts maravilhosos!

até mais o/

Anônimo disse...

mais um texto a me maravilhar!

Daniel, meus gatos são blasé não.
São muito amados mesmo!