03 setembro, 2008

Cajado



Nos primeiros meses da nossa história, não fiz muita distinção do que era céu ou terra entre nós dois. Queria manter os pés no chão, mas este era um esforço inglório. A mente, voz ativa naquele momento, viajava mais alto que de costume. Estava encantada com a possibilidade de, enfim, encontrar a felicidade tão propalada pelos livros lidos na adolescência.

Era tudo novidade. E instável também, já que nunca se sabia ao certo onde estava pisando. Mas a sensação de dúvida sempre me apeteceu. Lembro meu avô me ensinando: “Entre o sim e não, prefira a dúvida”. Muito me alertavam por aí: “É um tiro no escuro”, porém preferia acreditar que você, na verdade, vendava meus olhos com as mãos em direção ao escuro fugaz de uma festa-surpresa.

Surpreendentes, no entanto, foram os acontecimentos entre nós que distanciaram pouco a pouco as estrelas da terra batida do dia-a-dia. O tempo, apesar de relativamente curto, foi senhor de si e fez questão de inscrever sua tatuagem em ambas as costas. Eram marcas de rugas, desenhadas para mostrar nosso envelhecimento diante da ausência de perspectivas. Céu e terra se distanciaram cada vez mais, desta vez a olho nu.

Hoje, arqueado, ainda caminho. Tenho a ajuda de um cajado, que parece ser dotado dessas encantarias assombrosas, porem de muita verdade.  Digo isso porque, se estiver andando mesmo sobre essas nuvens longínquas, é o cajado que força a terra ao seu lugar de direito. Se do contrário, ele faz com que o céu, pelo menos, não caia com tanto peso sobre essa minha cabeça confusa.

Nenhum comentário: