15 maio, 2009

Tarja preta

O que dizer de uma casa que já se anuncia velha? Nada. É o que eu tenho tido para dizer aos senhores ultimamente. Nada. Vida segue sem muita palpitação, caminhando com certa brisa batendo no rosto. É inverno aqui no Rio de Janeiro, tempo um tanto abafado, tal como os sentimentos. Antes pululavam na pele, davam nome e sobrenome. Agora qual é a linguagem do que sinto? Desaprendi. Bato samba, faço meu batuque, conclamo tudo que é santo, mas os poucos que me falam cantam em uníssono: silêncio. Esse é o barulho do quarto hoje. Eu e meus livros, que pouco têm participado do meu dia a dia. Mudança de rotina, fusos trocados, vida paralela. Não há mais ponto de encontro entre nós dois. Será que houve alguma vez? Não, você nunca veio, não é? Quem se apresentava era a senhora ilusão, travestida de roupas nobres para engalanar um pobre coração que pede pouco da vida: só quer ser feliz. E mais nada, como diria o Cazuza ou a Cássia Eller. Gosto dos dois. Mais da Cássia, por ter cantado "Je ne regrette rien". Eu me arrependo, Cássia. De não ter chorado quando vi Piaf, de não ter dito "Eu te amo" pra minha mãe hoje à noite, ainda acordada de sua oração, de não ter seguido pleno na religião, de ter me descarilado em prol do amor e hoje ainda não voltar pro eixo. Sou obtuso. Ângulo não de todo aberto para o amor. A desconfiança não deixa. "Moço, o senhor me dá um trocado para comprar fralda?", perguntou um jovem hoje na rua. Desculpe, meu caro, não confio em você tampouco em seu bebê. Só no vento que batia em meu rosto, único companheiro que levava minhas palavras afora, rumo a qualquer encruzilhada para ver se ganhava os quatro cantos logo de cara. Sou afobado, eu sei. Ansioso também. Queria tudo novo de novo. "O mundo tinha de ser de se recomeçar", meu lema, tatuada na lembrança de que um dia nós dois sorrimos. Hoje mal te escuto. Por que insiste em falar baixo? Manifeste-se logo. Diz quem é você, mas não diga se gosta de mim. Não quero sucumbir à mais uma cascata sua. Não sou afeito a mentiras, embora sejam necessárias em alguns momentos. Eu minto muito. Todos os dias. Só em casa desarmo. Corpo pesa na hora de dormir, mais ainda na hora de acordar. Mas ninguém percebe as feições da labuta. Só eu. E o espelho, meu oráculo diário, revelador dos mistérios e do que está oculto por trás dos olhos. Janela da alma? A minha é basculante, vejo pelas frestas. Tem de ter altura pra alcançar. Quer um banquinho? E um violão? Estou sem amor e sem canção. Mas quero ser feliz com quem eu amar. Mentira (olha ela outra vez). Canção tenho sempre. Neste exato momento, Casuarina: "Eu bem lhe avisei / Que sou de amargar / Sou de sabor fel na esperança". Sem açucar, com certo afeto, sem doce predileto. Como o que você preparar. Espero então você chegar. Hoje estou sem sentido, por favor não queiram muito compreender.

Um comentário:

Dauri Batisti disse...

Gostei de ler o texto. O tom confessional tornou o texto bom de ler, sem ser meloso. Denso e poético.

Abraço.