15 março, 2009

Fio de contas [ou Tentativa de poema]






Ela sempre exibiu com orgulho o colar de missangas que mesmo construira.
Foram semanas a fio, escolhendo pedrinha por pedrinha.
O fio, aproveitou o que a mãe lhe dera.
"Minha filha, talvez esse fique bom", havia dito.
"Será que vai arrebentar", perguntara a moça.

***


Por muito tempo o cordão durou
Era no pescoço da moça
Que ele balançava
De acordo com seu ritmo
Cada vez que ela andava forte
As pedrinhas, muidinhas que só
Ecoavam no peito da menina
Batiam mais que o coração
Já estava descompassado
Com a moça esbaforida
Querendo a todo custo
Ser feliz ao lado de seu amor

***

O fio não aguentou a força dos embalos.
Era muita pedraria nele pendurada
Tudo muito carregado para a moça,
Que, pobrezinha,
Andava curvada diante do peso
Era o amor
Ou a imagem dele
A quem prestava obediência
Para alcançar o simples da vida: 
Ser feliz

***

Agora ela cata as pedrinhas no chão
Uma a uma, com certa paciência
O intuito é nobre: 
Reconstruir seu adorno mais caro 
Já o fio, preferiu guardar na bolsa
Quer ver se consegue tecer outro nó
Na hora em que preparar sua nova conta
Desta vez, mais firme
Para aguentar o ritmo
E as batidas
Do que pela frente está por vir
[A moça é bastante otimista]


11 março, 2009

Meu barulho

Um pouco de água na nuca, durante o banho, me fez lembrar o que muito se ouve por aí, no popular: não basta só ouvir, baixar a cabeça e concordar. Quero que (e quem) compre meu barulho. Falar sozinho, como volta e meia faço, eu até tolero. Mas bradar com a sensação de que nem os quatro ventos ouvem já me cansou. Seu habitual silêncio também.

Um desabafo [ou "Carregando na cor da tinta"]




Venho tentando não carregar as tintas nesses dias ainda difíceis de adaptação. Sinto sua falta, sim. Não sei ainda se falo de presença física mesmo ou falta no sentido de ausência -- de postura, de ímpeto, de atitude. Um ressentimento que infelizmente está guardado há tempos: sua escolha em não se posicionar diante de alguns problemas que, em especial, me dizem respeito. Verdade seja dita: ninguém é obrigado a resolver aquilo que não lhe cabe. E eu mesmo reconheço que este é um pedido um tanto quanto egoísta de minha parte, fruto de um mimo que venho há anos tentando me desapegar, mas ainda não por completo. Ainda guardo certas idiossincrasias do jeito filho único de ser. E o zelo a mim desferido ainda é um deles. Queria ser mais bem resolvido nessa questão, confesso, mas ainda lamento por correr demais em prol do outro e não ser correspondido. Ainda aprendo a lidar melhor com isso.

***

Já escrevi, tempos atrás, aqui na velha casa: assim como eu monto a infantaria, gosto de imaginar ver você guerreando por certas vitórias ou entraves meus. Na verdade, gostaria. Futuro de um pretérito imaginário, que não sei por que cargas d'água ainda associo a você.

***

[Preciso de um copo d'água. Gelado. Lembro Guimarães: "Perto de muita água tudo é feliz". Quem sabe isso não arrefece um pouco meus ânimos internamente diante desse calor das emoções.]

Alguns questionamentos



... Um simples recado, dado por terceiros, suscitou hoje algumas perguntas que me tomaram o dia:

- O ato de ajudar está sempre acompanhado da necessidade de ser útil?
- Existe um limite para essa ajuda desferida?
- E quando existe a sensação de que, por você, pouco se faz ou foi feito?
 
[Um dia de irritação, sem pretensões literárias]
[Escutando Los Hermanos: "Quero dançar com outro par / Pra variar, amor"]
[Adaptando Los Hermanos: "Quero dançar com outro par / Pra variar a dor"]

04 março, 2009

Palavras de Clarice



Querida companheira,

Desculpe-me a intimidade, mas me sinto confortável para assim lhe chamar, porque você tem sido fiel às minhas noites sem sono, de silêncio no quarto. Nos últimos dias suas palavras têm convivido com minha intimidade, repousadas ao lado esquerdo de minha cama. Melhor companhia hoje eu talvez não teria, porque não me canso de dizer que aprendo muito com seu modo de pensar. Ontem, inclinado em um de seus livros, uma frase sua deu as mãos ontem ao meu pensamento, desde seu repouso habitual até agora. Disse você com toda propriedade que lhe é peculiar: “Amor será dar de presente ao outro a própria solidão? Pois é a última coisa que se pode dar de si”.

Confesso, amiga Clarice, que apelei a esse recurso derradeiro do amor neste fim de semana. Tentamos, por mais de um ano, dar certo de todas as formas, mas não deu. “Não deu” soa popular demais, é verdade, mas a escolha é proposital: a frase pede um complemento que, para nós, foi difícil de encontrar. Uma história que esboçou no começo muita beleza, seguiu escrevendo certo por linhas tortas, mas que não vinha acontecendo há tempos. Por isso, não deu e ponto final, sem muitas delongas.

Você pode alegar: mas por que não insistir? Por que não reinventar os dois juntos? Este, minha cara amiga, foi um exercício mais do que diário em um ano e alguns meses de entrega mútua. Nossas linhas já estavam por demais oblíquas para qualquer página que testemunhasse aquela alegria inicial do sentimento recém-descoberto. Sei que Deus ainda prefere escrever certo por essas linhas tortas, mas minha condição de mortal não resistiu à vertigem dos últimos acontecimentos entre nós.

Fraquejei? Talvez. Mas, como você mesmo costuma dizer, “minha força está na solidão”. Isso explica, em parte, meu otimismo em seguir adiante, mesmo com o receio do que virá pela frente. [Ou melhor, sejamos sinceros: um menino pequeno como eu, apesar da barba feita, sente medo e não receio. Hoje com ele eu consigo dialogar melhor. Existem formas de negociação].

Como eu ia dizendo, amiga Clarice, agora reformulando as palavras: tenho medo do que virá pela frente. Mas sei que, nessa trajetória, não me vejo tomando rumos novos, até porque temo muito pelo ineditismo. Coisas desse menino pequeno, acredita? Mesmo de pernas bambas diante do não-visto, creio piamente numa sensação cada vez mais real: a de ter freado o trem para não descarrilar de todo nessa profusão de sentimentos que em nós circula. Parar um pouco -- isso, de certa forma, me encoraja a seguir adiante nessa insistente opacidade do amor.

Desculpe-me a prolixidade caso não tenha me feito claro. Essas situações, você sabe, costumam confundir a cabeça da gente mesmo.

Voltamos a nos falar em breve. Prometo dar notícias.

Com carinho,
Daniel