22 maio, 2009

Cortina


O sol insiste em bater à janela, mas tenho preferido a companhia das cortinas. São mais acolhedoras, sobretudo no instante de despertar, que me é tão desolador. Ultimamente tem sido assim: acordo com as pernas mais cansadas do que quando eu vou dormir, e ainda não alcancei as teorias que possam explicar esse mistério. Diz a terapeuta que são os sonhos (sempre movimentados, é verdade); já outro amigo prefere apelar para as noções de espírito. Eu só me sinto à vontade para bater o martelo num ponto: não é justo o corpo esperar meu sono para ter vida própria, sair por sabe-se lá Deus onde, não me convidar e ainda por cima encerrar sua boemia me deixando um certo desânimo, sensação de tristeza mesmo. É assim que venho acordando nesses últimos dias.


[Sem mais o que dizer]

20 maio, 2009

Seca


Os olhos já não vertem mais lágrimas como antes. Na cortina branca que encobre as duas janelas da velha casa, perto da joia azul mantida no epicentro de minha pequena galáxia, surgem rios venosos, de cor predominantemente vermelha. São reveladores talvez de uma terra árida, hemorragia seca, gritando por um bocado de água. Geralmente acontece mais à noite, no fim de mais uma jornada rumo ao encontro de alguma nascente sequer, mas não tem uma gotinha pra contar história. Tudo se esgotou perto dali. Já beberam da fonte, muitas das vezes de forma indevida. E sem cachoeira de antes, que jorrava solta nos momentos mais inesperado, o menino heróico foge assustado pela mata adentro. Busca em outras bandas aquilo de que hoje mais precisa: o acalanto das águas. Mar para ele não serve: tem sal demais. O pequerrucho precisa de um pouco de doçura na vida. Anda um tanto amargo demais. Nessas horas, a avó ensina que não tem muita alternativa: em vez de se esgueirar por aí de galho em galho, o jeito é trocar os pés pelos joelhos, firmar ponto na aridez desse chão que lhe resta e esperar para ver se, quem sabe, o céu se compadece do seu lamento. De fato, há certa esperança no nativo. Por enquanto, é isso que tem lhe bastado durante esses dias difíceis.

16 maio, 2009

Do fim ao começo

. Começo hoje pelo ponto final. É assim que sempre faço quando leio jornal ou revista: do fim para o começo. É assim que hoje lembro nós dois: desde que terminamos até a música que ouvimos juntos pela primeira vez. Hoje tocou no rádio. Ela dizia: "Case-se comigo". Meio precipitada para aquela ocasião, é verdade, mas serviu para nos dar o pontapé inicial. Já o chute final, este foi certeiro: deu burro na cabeça, de tanto que insistimos um no outro no afã de dar certo. Mentira. Tinha cá pra mim que agora, enfim, eu vivia um grande amor. Mentira de novo. Quem tem razão nesta história é o Chico, que não cansa de me recomendar: Não se afobe, não, que nada é pra já. Ele me pede silêncio na hora de esperar. Sim, meu caro amigo, eu lhe dou. Na verdade, não sei se o que lhe oferto tende mais para o silêncio do que para a resignação. Meu olhar fica perdido nessas horas, não escuto nem o vento, meu eterno companheiro. Ontem foi ele quem me levou à cama. Me deu um livro para ler antes de o sono dominar a cena. Era do Guimarães, um de poesias raras que tive a sorte de encontrar por acaso numa livaria. Num dos poemas, que arrisco em intitular "Saudade", ele diz: "Tenho saudade de gente que eu não conheço". Eu também. Sinto muita. Ando de carro pela cidade, passo pelos bares, como eu gostaria de brindar naquela mesa. Eu até digo "Saúde" sem me importar muito com o buzinaço que vem da frota de trás. Arrisco parar, saltar, flanar... Mas chega ao fim desanimo. Não quero que me tenham como sozinho. Minha timidez é outro entrave. O palavrório que guardo na munição não é suficiente para tapar toda a vergonha estampada no rosto. Sim, me escondo na extroversão das palavras e dos gestos. Herança italiana, no fundo uma vontade embrionária de ser ator. Sou performático. Atesto para o mundo minha autenticidade forjada. Preciso de aplausos. Não tem problema se vierem na forma de risos. É a consagração da plateia. É meu momento. Hoje estava sem a mascara. Era hoje a alma, "a cara, o retrato que retrata o que na alma eu sou de fato". Sou assim todo dia. Eu sou meu próprio tablado,m esmo diante de um espetáculo solo, monólogo clássico dramático, realismo mágico para encarar a vida com certa leveza e encantamento. É o que preciso. Tudo tem estado meio sem graça, meio sem ritmo. Por isso, as palavras desnorteadas .

15 maio, 2009

Tarja preta

O que dizer de uma casa que já se anuncia velha? Nada. É o que eu tenho tido para dizer aos senhores ultimamente. Nada. Vida segue sem muita palpitação, caminhando com certa brisa batendo no rosto. É inverno aqui no Rio de Janeiro, tempo um tanto abafado, tal como os sentimentos. Antes pululavam na pele, davam nome e sobrenome. Agora qual é a linguagem do que sinto? Desaprendi. Bato samba, faço meu batuque, conclamo tudo que é santo, mas os poucos que me falam cantam em uníssono: silêncio. Esse é o barulho do quarto hoje. Eu e meus livros, que pouco têm participado do meu dia a dia. Mudança de rotina, fusos trocados, vida paralela. Não há mais ponto de encontro entre nós dois. Será que houve alguma vez? Não, você nunca veio, não é? Quem se apresentava era a senhora ilusão, travestida de roupas nobres para engalanar um pobre coração que pede pouco da vida: só quer ser feliz. E mais nada, como diria o Cazuza ou a Cássia Eller. Gosto dos dois. Mais da Cássia, por ter cantado "Je ne regrette rien". Eu me arrependo, Cássia. De não ter chorado quando vi Piaf, de não ter dito "Eu te amo" pra minha mãe hoje à noite, ainda acordada de sua oração, de não ter seguido pleno na religião, de ter me descarilado em prol do amor e hoje ainda não voltar pro eixo. Sou obtuso. Ângulo não de todo aberto para o amor. A desconfiança não deixa. "Moço, o senhor me dá um trocado para comprar fralda?", perguntou um jovem hoje na rua. Desculpe, meu caro, não confio em você tampouco em seu bebê. Só no vento que batia em meu rosto, único companheiro que levava minhas palavras afora, rumo a qualquer encruzilhada para ver se ganhava os quatro cantos logo de cara. Sou afobado, eu sei. Ansioso também. Queria tudo novo de novo. "O mundo tinha de ser de se recomeçar", meu lema, tatuada na lembrança de que um dia nós dois sorrimos. Hoje mal te escuto. Por que insiste em falar baixo? Manifeste-se logo. Diz quem é você, mas não diga se gosta de mim. Não quero sucumbir à mais uma cascata sua. Não sou afeito a mentiras, embora sejam necessárias em alguns momentos. Eu minto muito. Todos os dias. Só em casa desarmo. Corpo pesa na hora de dormir, mais ainda na hora de acordar. Mas ninguém percebe as feições da labuta. Só eu. E o espelho, meu oráculo diário, revelador dos mistérios e do que está oculto por trás dos olhos. Janela da alma? A minha é basculante, vejo pelas frestas. Tem de ter altura pra alcançar. Quer um banquinho? E um violão? Estou sem amor e sem canção. Mas quero ser feliz com quem eu amar. Mentira (olha ela outra vez). Canção tenho sempre. Neste exato momento, Casuarina: "Eu bem lhe avisei / Que sou de amargar / Sou de sabor fel na esperança". Sem açucar, com certo afeto, sem doce predileto. Como o que você preparar. Espero então você chegar. Hoje estou sem sentido, por favor não queiram muito compreender.

13 maio, 2009

Sobre espelho e balões



O espelho é meu oráculo. Não preciso de guias, contas, conchas ou cartas para desvendar os mistérios do oculto. Eis aqui o mistério: este quem vos fala e vos olha diariamente. Fito, não decifro. São muitas as vozes que falam. E tantas que se contradizem. Cada uma tem seu peso, mas se apresentam a mim de forma elástica – “É você quem vai dar a real dimensão nossa”, me revelam o recado.

O universo é elástico; eu ainda não. Sigo na pequenez da alma, ainda imatura em relação aos sentimentos. Quando me imponho ao mundo, penso que cresço. Mentira. Sou apenas um ser inflável: estouro quando menos espero. Balão de gás que pensa em ter ganho o céu, passarinho que canta de galo só porque não precisa de asas. Pena dele, pena de mim.

Hoje senti pena de mim. Pena da pequeneza, pena por não ser maduro, pena por não saber voar, sobretudo por não saber cair.

[PS: Sou inflamável também. Mas eis aí mais uma faceta do inflável: estouro quando menos espero. E me queimo]