Um dia antes, escolho as flores mais bonitas, aquelas que eu sei que lhe serão de bom grado. Não meço esforços para encontrar as cores ideais. As mais vistosas só são encontradas na madrugada, horário em que meu coração se transforma num relicário para preparar as deferências ao amor.
Na praia, minha adoração reverbera a cada flor que é ao mar ofertada. E algo instável, difícil de denominar, também pulsa forte aqui dentro. As ondas chegam, levam com elas os presentes ofertados. Rebate-os na areia e os toma de volta, de acordo com o movimento de cada onda que se forma nessa primeira hora da manhã.
A dedicação que eu tenho como oferenda deveria ser igual a essas ondas do mar, que dançam num ir e vir eterno, sincopado e inconstante. Tolo eu em só acreditar no raso que eu tateio na praia e desconsiderar a força do vento ou da tempestade, que rompe com o curso natural do mar e muda o destino das flores milhas depois.
Enquanto as flores a mim não retornam, sigo aguardando descalço na areia. Os olhos fitados no horizonte estão à espera de uma bruma qualquer, capaz de confortar minha ansiedade em ter sempre o retorno imediato, a retribuição agradecida. Faço votos de que a onda seja capaz também de consolar meu combalido amor próprio, que usa as águas do mar para verter lágrimas de uma criança ainda à espera do colo materno.
Que essa mesma onda seja capaz ainda de levar com ela minha fúria contida. E que, por fim, ela me dê o cansaço necessário para dormir e acordar minimamente renovado, depois de tantas horas em claro sob o altar da devoção. Pois amanhã já está marcado no último quadrinho do calendário: é mais um dia de ir à floricultura de madrugada. Mais um dia à procura de novas rosas para você saudar a chegada do novo ano.
Confesso entretanto que sou incapaz
De jogar fora assim as minhas lágrimas
Prefiro dormir sozinho no quarto
Talvez eu esteja bem melhor ao acordar
["Apenas timidez", Kid Abelha]