29 fevereiro, 2008

Traquitana

Foto e arte da :: velha casa ::
Sony Ericsson K550i




[ ]

Se não se tem mais vento para
afugentar a tormenta da alma

Se não se tem mais vento para
resfriar o que já se apresenta como frio

Se não tem mais vento para
desenhar no ar as claves sonoras do amor

Por que não se ter, então, um ventilador?



[.]


Eu herdei um do meu avô
Que Deus bem o tenha
Senhor sabedor do passado
Ele dizia sempre:

“As coisas velhas é que são boas”




[..]


Vovô não deixou dinheiro, cavalos ou fábulas em herança
Também não deixou dívidas como seu legado em terra firme
Apenas sua casa velha, cansada da guerra diária com a idade
E seus pertences, chamados por um atrevido qualquer de

“Traquitanas”


[...]

Traquitana, quinquilharia, treco
Sucata, ferro-velho, cacareco

Tempo, história, vida
Sopro, alma e calmaria

Com o velho ventilador
Agora posso descansar em paz
Eu em posse do meu passado


Que Deus nos mantenha


28 fevereiro, 2008

Do silêncio



[Post dedicado ao amigo Marco, do Marco S/A]

27 fevereiro, 2008

Álbum


— Toc, toc, toc.
— Quem bate à porta?


Eis o menino de mãos no bolso, com as meias erguidas quase até o joelho, que um dia aprendera a sorrir de canto a canto do rosto, exibindo ao mundo seus pequeninos dentes ainda de leite.

Com ele, pra lá e pra cá, o menino que bate à porta carrega junto o seu baú de brinquedos. Lá não tem segredos, pelo contrário. O regalo precioso da criança guarda consigo um passado não muito longe do tempo, mas que poderia ser bem mais próximo da memória. Trata-se de um tempo em que não se tinha medo de assumir os quereres, entre monstros, castelos, bonecos e seus cavalos.

Naquela época, o soldado ainda não era de chumbo e também não tinha a bailarina para lhe apresentar o amor, na mais pueril de suas multifacetadas formas. Sua feitura era simples, simples: pele, osso, carne, órgãos, mente, memória, coração, como bem regeu um dia a cartilha de seus criadores.

Hoje o menino soldadinho mora num porta-retrato esquecido na gaveta do avô. Ao rever a foto, o velho senhor de barbas brancas e parco cabelo rememora a essência de um tempo cultuado por suas reminiscências, como quem conta a saga de sua mitologia, com as devidas glórias, honras e conquistas.

Salve, portanto, os idosos, salve a infância. Salve as histórias, salve os mitos. Salve também (e sobretudo) a memória, mesmo que hoje ela esteja combalida por um medo latente de encontrar no seu baú de brinquedos as figurinhas de um álbum ainda com lacunas preciosas: as do próprio passado.


“O pior dos nossos retratos é que vão
ficando cada dia mais jovens”
[Mario Quintana]



26 fevereiro, 2008

Entre colchetes

[Poeminha sem muitas rimas, dedicado à menina [P], do blog “Segundas intenções”]
Foto da :: velha casa ::
Sony Ericsson K550i





Ela mora entre seus colchetes
Vive reservada no seu refúgio transparente
A menina revela pouco de seus quereres
Mesmo resignada em uma única letra


P

Ela atende pelo nome de P
Apenas P, não mais que P
Ela não usa apelidos, nem nome de batismo
Apenas uma letra a define

P

Soberana em sua forma maiúscula
Ela pode ser pequena, pacata ou pueril
Seu P é da pequena aprendiz
Que dialoga com o mundo
Com certas segundas intenções

P,
a menina,


Busca destrinchar a vida
Com suas próprias palavras
Suas palavras, sim, ganham nome e sobrenome
Pois somente a elas cabe definir o amor

P

Com a letra estampada em estandarte
Guardada nos colchetes do silêncio
A menina sugere a grandeza de sua alma
Disposta a encontrar a riqueza infinda
Nos trilhos do arco-íris do seu próprio céu

[P]

Nos colchetes da menina que lá guarda seu nome
Está a janela de uma moça pequenina
De onde assiste, com seu vestido azul
A vida lhe passar ao som de uma breve canção:



P
B
B ela
Ela
A menina
Que mora só ela
Bela


23 fevereiro, 2008

De / Para

[Assumidamente inspirado no amigo Guiu Lamenha,
que me apresentou Clarice numa mesa de bar]


Prezada Clarice,

Há tempos queria lhe escrever algumas palavras, mas talvez não encontrasse o tom certo para essa primeira deferência. Sim, deferência, reverência, homenagem, tributo, sinal de respeito. Desculpe o certo constrangimento desta possível bajulação, mas seus textos (infelizmente, ainda conheço poucos) me são dignos de compreensão do ser humano. A começar por este quem vos fala.

Vejamos. Meu coração está perto de se tornar selvagem. Parece um trocadilho infame diante da riqueza de sua obra, mas é verdade. Selvagem. Noto que seu pulsar já não é tão brando e leve como antes, quando apreciava o crepúsculo e a aurora do horizonte com um ombro sempre a estar apoiado. Hoje ele bate quase como num atabaque ancestral, que fundamenta os sons graves quando percebe alguma situação a ele adversa – por mais ínfima que ela possa, na verdade, ser ou parecer.

Para, ao menos, me sentir um bom selvagem diante de algumas intempéries que só a mim são visíveis, eu durmo. Muito, indiscriminadamente até. Ah, Clarice, eu confesso: este é o momento de meu maior prazer. Minha mãe concorda comigo. Diz que prefere não me acordar porque meu semblante transpassa essa alegria de, por um momento, desligar-se do mundo por alguns instantes.

E ela tem razão. As mães, de certa forma, quase sempre têm razão. Quase. O problema, talvez, é que o sono vem se apresentado de forma desmedida, durante a tarde, depois do almoço, no curso do trabalho, ao encontro do amor, no pico da raiva. O olho pesa, quase sintomaticamente, em reação a qualquer centelha de sentimento que transpira na pele. Às vezes, simulo a voz sonolenta, mas isso é quando eu preciso, por cinco minutos, pedir licença deste mundo que tanto insiste em demandar.

Vejo isso como uma resposta automática do corpo que, por um momento, assume ser comandado por esse coração selvagem, prestes a tatear os extremos de uma reação à mente desconhecida. Sim, Clarice, descobri que nas bandas de cá a emoção sobrepuja a razão. Logo ela, tão absorta, tão nebulosa a mim durante tantos anos, sobretudo na adolescência imberbe.

De antemão, peço desculpas pelas palavras um tanto pesadas deste nosso primeiro contato. É como você mesma costumou dizer: “Eu me aprofundei, mas não acredito em mim porque meu pensamento é inventado”. Eu confesso a você: está difícil conter a emoção mesmo. Mais ainda é encontrar subterfúgios para mascarar essa emoção diante de uma platéia de dois ou três, que insiste em afirmar: “Está tudo bem com você, não vejo problema algum”.

De qualquer forma, espero ouvir no final os aplausos que sonhei desde criança, quando orquestrava o destino dos meus bonecos de plástico no quintal da velha casa. De preferência, assistindo a tudo sentado naquela mesma platéia, batendo palmas efusivamente junto ao público diante do espetáculo que acabou de cessar. No teatro, dizem que cada dia é dia, e que cada peça apresentada é única. Acho que é por isso que meu coração está à espera do fechar de suas cortinas vermelho-carmesim, no afã de que, como dizem por aí no popular, amanhã será um outro dia. Um novo dia.

Desculpe o tratamento mais íntimo ou informal, mas “senhora” não caberia nesta primeira tentativa de proximidade.

Fique bem.

Obrigado pela atenção,
Daniel


22 fevereiro, 2008

Estigma

Foto da :: velha casa ::
Sony Ericsson K550i






Tatuagem
Tinta do corpo indelével
De posição no mapa invisível
Escondida sob o manto da própria vergonha
[Risível]


Marca
Nascida desde o primeiro dia
Cresce hoje à revelia
Da vontade de encarar o mundo com certa valentia
[Covardia]


Mancha
Que escancara o próprio preconceito
Não consegue impor respeito
À pequeneza de uma alma diminuta
[Por mim mesmo]


Estigma
De sobrenome assinado Eterno
Ainda faz do meu destino incerto
Mesmo quando aponto de perto
O coração amedrontado pelo véu descoberto
[Silêncio]




21 fevereiro, 2008

Paradoxo


“A vida trafega a bordo do paradoxo”
[Frei Betto]




Certas vezes, nos apropriamos de frases alheias.
E eu não fujo à regra.
Uma delas é: “Eu me contradigo porque sou muitos”.
Dita um dia por um grande amigo


***

Muitos acusam o fato de ser geminiano
Muito embora esses muitos também acusem
O fato de me apresentar no palco da dupla face
Pobres mortais que se dividem no clichê do bem e mal
E não conseguem entender a capacidade
Que qualquer um tem de ser
Múltiplos num só corpo, numa só alma
Mesmo com um só coração para de tudo dar conta


***

A lágrima vertida do rosto benze felicidade e tristeza
O riso esconde a face do menino ao mundo arredio
Argumentos vão e vêm num trânsito livre
Com salvo conduto para alternar qualquer ponto de vista
O cotidiano é pontilhado por quereres, humores e dissabores
Que às vezes travam um diálogo alheio à minha vontade
O olhar distante revela a vontade de ser um grupo
Pois ser muitos não significa estar sempre em companhia



***


O corpo padece de disposição
A fala pede mais ímpeto
O coração quer novo pulso
O olhar demanda atenção
E, aos ouvidos, duas breves canções:




“Eu preciso andar um caminho só
Vou buscar alguém que não sei quem sou”

“E no final assim calado
Eu sei que vou ser coroado rei de mim”

[Los Hermanos]



20 fevereiro, 2008

Refúgio


A vida às vezes pede um refúgio para que possamos nos por ora nos licenciar do mundo. Em algumas vezes, eu costumava fazer de um coração alheio o melhor local para me exilar do externo. Mas hoje confesso: não quero mais bater à porta de quem uma dia já dissera tê-la deixado a mim aberta. Prefiro o recôndito do meu sorriso.

Lá se esconde o menino que, mesmo na forma adulta, não se importa em se apresentar ao mundo carregando no punho um atestado de maioridade qualquer. Ele sabe que ali, de certa forma, não é o seu lugar.

Nesta espécie de trincheira, é possível olhar meio agachado, entre os dentes, e revelar ainda uma felicidade aparente, quase clandestina, como diria Clarice. Aquela que evita, por exemplo, as entrevistas e os porquês sobre a tristeza que chega sem aviso prévio. Assim como a felicidade, ela também bate à porta sem ter a chegada anunciada pelo porteiro.

Por trás dessa cortina, há ainda um quê de sordidez de parte do refugiado, que é esboçada por um leve tracejar dos lábios fechados. No movimento em direção a apenas um canto de orelha, eles acabam por revelar a distância ideal para aquilo que julgo ser inadequado, desnecessário ou simplesmente over, too much.

Em certos momentos, é melhor resignar-se no silêncio do que trovejar um palavrório qualquer. Afinal, minha tempestade é preciosa. E o meu refugio também. Só poucos o têm acesso, garanto.


“Abre os teus armários, eu estou a te esperar
Para ver deitar o sol sobre os teus braços castos
Cobre a culpa vã, até amanhã eu vou ficar
E fazer
do teu sorriso um abrigo”
[Los Hermanos]

18 fevereiro, 2008

Prosa com os botões


Tenho conversado muito com meus botões ultimamente, sobretudo nos momentos de tormentas mais intensas. Nessas horas, eles acabam por ganhar função dupla: além de servirem, claro, como peças que fecham as próprias vestes, os botões funcionam também como uma espécie de cadeado do velho baú, que às vezes abro para guardar os medos, temores, pudores, dissabores e certos arrependimentos colecionados pelo tempo.

Curioso pensar em confiar seus segredos a esses botões, pobres seres arredondados que se apresentam ao mundo (pelo menos, no meu caso) tão pequeninos, mas que cumprem muito bem o papel de reservar o buraco da fechadura que tranca aquele grito ainda preso pelo não-vivido. São os botões que mediam o meu público e o meu privado. Eles são os limítrofes do sorriso e da tensão que desfilo pelas ruas.

Quando fechados, os botões, devidamente aviados, minam a eterna resistência de me mostrar ao mundo de uma maneira mais despreocupada ou mais relaxada que a de costume. Já quando abertos, sabe-se lá por qual motivação, esses botões despem parte de um coração que ainda prefere se esconder em suas próprias veias e artérias a pulsar num peito aberto para os próximos que me cercam.

Mas observem, caros senhores: não falo aqui em desnudar-se perante o mundo. O menino até consegue se despir de certos pudores seus, mas não de todos aqueles que ainda insistem em afugentá-lo. Abotoado ou não, o véu de sua insegurança permanece intacto, mantendo logo atrás a tempestade que serve de morada a essa mesma criança.

Por ora, não vejo rasgos, costuras ou retalhos que dêem conta de sua abertura hoje. Nem enfiando no véu o facão cego até o cabo, nem fazendo uso cirúrgico do bisturi da realidade. Só visualizo mesmo o véu escancarado no dia em que eu tomar coragem de encarar o espelho, nu e despido, de forma a enxergar no reflexo do meu passado um caminho para encontrar a verdadeira face da criança, que ainda esconde com as próprias mãos sua vergonha pudenda.

Ainda defendo a seguinte tese: é preciso antes olhar para trás para depois seguir adiante, seguir em frente, em linha reta. De preferência, com seus próprios botões. Quem sabe a companhia deles não ameniza um pouco o desconforto da solidão durante o trajeto.


15 fevereiro, 2008

Andarilho


Sigo andando por aí depois da folia. Sem destino certo, o jeito é bater a porta da casa, agora vazia depois do período de festas. A cabeça, levemente inclinada para cima, observa o céu, as janelas entreabertas e as luzes intermitentes das vitrines que iluminam cada avenida em que passo. Flano à procura de algo que talvez eu tema decifrar, mas que inspira a caminhada mesmo quando o túnel está escuro.

Este andarilho que aqui vos fala não quer cansar. Corre, mas não perde o fôlego. Nada, mas não morre na praia. Pedala no comando do seu próprio guidão, mas não percebe a condição estática de sua bicicleta, que não sai do lugar. Caminha, num ritmo de marcha atlética, lembrando as cenas de infância, quando o esforço físico em nada lhe apetecia.

A ambição é de cruzar fronteiras e conhecer outras terras. No entanto, no mapa do andarilho, não existem linhas geográficas que separam as nações. Ele pertence a todos os países, ele assume todas as bandeiras. Ele abraça seus vizinhos como quem está disposto a conhecer nova gente e fazer novos amigos.

Lentamente, o tempo se torna soberano da situação e faz com que o sol surja a pino no horizonte. Não houve hora de descanso, por opção do próprio andarilho, seguidor de seu destino num anda-que-anda apressado. A sede de tirar o véu do desconhecido é por demais grande. Quem o estimula a se movimentar é um impulso de natureza etérea, quase esotérica, cuja força se reverbera em cada gota suor caída da testa.

Mas eis que, finalmente, é chegada a parada final dessa viagem. No cenário, a aridez da solidão divide a cena com uma lápide, em memória ao grande poeta João Cabral de Melo Neto. Nela, fora inscrita apenas uma frase: “Nascer já é caminhar”. Tomada como mandamento, só então o andarilho deu o suspiro derradeiro de sua jornada e se pôs a sentar.

O sal do suor, misturado ao sal da única lágrima que verteu, benzeu aquele que, finalmente, depois de tanto ir e vir, pode apreciar o regozijo de um renascimento. “Nascer já é caminhar”, ele lembrou, esboçando um sorriso de canto de boca, antes de pôr a mochila nas costas para retornar à velha casa em que sempre morou.

14 fevereiro, 2008

Desejo e reparação


Gêmeos - de 21/05 a 20/06
Disposição racional; sua mente está afiadíssima, encontrando os meios corretos ou possíveis de realizar seus desejos. Para sair de rolos afetivos não poderia ser melhor: aproveite para retomar sua independência e amor próprio. Depois, dê parabéns a si mesmo. Você merece.
[Fonte: Jornal “O Globo”, 14/02/2007]



Corro aqui e ali para fazer de você a pessoa mais feliz a todo custo. Quero ver de volta aquele sorriso que, um dia, abriu as portas da velha casa para o amor, em sua mais sublime expressão. Eu tento, faço, chego a me desdobrar em muitos. Por alguns instantes, quero exageradamente ser você, sentir você, rir com você e andar de mãos dadas sobre os trilhos do jardim que plantamos no peito. Rego as flores diariamente, como forma de resplandecer nelas toda beleza do amor. Minha letra, minha palavra, meus gestos, tudo se volta para uma felicidade mútua, compartilhada e compactuada pela vontade de, pela primeira vez, tocar o eterno, o perene, o sempre juntos. Fico a lembrar nossas risadas à noite, testemunhadas pela janela entreaberta do quarto. Passam na tela dos meus olhos fechados aqueles encontros nossos junto ao mar, no afã de que você se sinta melhor com a calmaria das águas. A cada dia, assumo a pretensão e me esforço em apresentar-lhe um admirável mundo novo, mesmo com todas as intempéries que, às vezes, impedem essa viagem de seguir a dois. Mas confesso que, por mais intenso ou ambicioso que seja esse meu sentimento, o fôlego já não é mais o mesmo que antes. Falta um sopro, como aqueles que você dava quando se apresentou a mim na forma de vento, lá atrás, no começo dessa história. Vontade de continuar, essa não me falta, eu garanto. Tenho medo apenas de assistir ao desejo de seguir adiante se transformar num cansaço qualquer.


“Os meus desejos são cansaços”
[Fernando Pessoa]


13 fevereiro, 2008

Cancela


Na caixa de correios, em meio a contas, cobranças e propagandas, chegou seu convite para uma breve viagem. O caminho é feito pelo tempo, senhor das boas lembranças, que projeta na tela do nosso cinema aquelas nossas risadas, caçoadas, conversas e confidências. Era o dia do pacto, selado por nós sem precisar assinar qualquer contrato, apelar para o rito macabro do cruzamento de sangue ou mesmo entrelaçar nossos dedos mindinhos.

Seu convite veio em forma de cartão-postal, que me apresenta o local de onde a saudade pulula lá longe e fazem reverberar aqui, no calor dos trópicos. É a cancela da ponte que nos une há tantos anos, mesmo com toda distância, com toda ausência, mesmo sem todos os telefonemas, chopes, abraços, apertos de mão e ombros trocados.

Quer dizer, tive não. Tenho. Perdoe o lapso do velho coração aqui que vos fala. Ele ainda mantém o costume de sempre evocar os sentimentos mais nobres com as vestes do passado. Eu sei que esse elo por nós preservado não possui hiatos, hífens ou quaisquer outros tipos de separações. Ainda que por ora não tenhamos o devido tempo que um dia compactuáramos viver juntos, sob a forma do meu mais sincero respeito por um amigo.

Também estou com saudades. Até a volta.


12 fevereiro, 2008

Movimento

Foto da :: velha casa ::
Sony Ericsson K550i




Caro amor,

Tem dias que você navega em meu peito como naqueles balaios feitos no fim de ano, uma espécie de pequeno barco em forma de presente, que reverencia os deuses do mar como forma de agradecer por toda sorte de bênçãos a nós oferecidas desde o primeiro encontro.

Nesta pequena embarcação, navega também a expectativa por dias melhores para você, prezado amor, e para mim também. Confesso que durmo e acordo ao seu lado com a nuca rija por conta da tensão que se escamoteia na fumaça do seu cigarro, mesmo ao som de palavras confortantes, como “Não se preocupe, está tudo bem comigo”.

Temo apenas que esse sentimento nobre que mostramos ao mundo na forma do mais glorioso estandarte, fique refém do ramerrame cotidiano, como num marasmo de águas rasas. Para muitos, isso poderia significar sinal de calmaria e, quem sabe, bonança. Mas, para mim, é a tensão potencializada por simplesmente não evoluir.

Não descemos a areia, não ficamos à deriva, tampouco seguimos pelos mares nunca antes por nós navegados. Simplesmente estacionamos no tempo e no espaço, apenas confortado pelo embalo manso das águas que ainda nos benzem.

Por favor, saiba que não quero nunca ser injusto com esta sua situação. Sei que o outro lado dessa história também pede, mais do que nunca, uma mudança urgente no rumo dos ventos. Mas é que eu preciso de movimento. Eu preciso do amor em movimento.



“Coração mistura amores. Tudo cabe”.
[Guimarães Rosa]







11 fevereiro, 2008

Água viva


[Clique na imagem para ampliar]

10 fevereiro, 2008

Rascunho

[Clique na imagem para ampliar]

09 fevereiro, 2008

Folia

Foto da :: velha casa ::
Sony Ericsson K550i





eis que a folia acaba. de volta ao barracão, está o trapo roto e abandonado por aquele que, num instante, se vestiu de nobre, de rei, de farrapo ou de membro da corte para se fazer brilhar num palco iluminado e testemunhado pelo espocar das lentes.

a letra não se faz mais maiúscula, porque agora entra em cena o cansaço, em sua forma leve, mas perene, como um expirar prolongado daquela respiração que ficou presa com a velocidade dos acontecimentos, com a euforia da folia, com o suor do baticumbum que, não tem jeito, faz mexer até mesmo aqueles que, como este quem vos fala, samba apenas com a perna esquerda.

a lembrança também ganha espaço neste momento. na tela, passam momentos agradáveis, de noites a pino, de sorrisos, olhares e memórias, de pessoas, visitas, conversas, confidências, de imagens, mais nomes, menos gente, de cigarros, água em profusão, chuva na moleira, pé encharcado. de amores, dissabores, afetos e desafetos em um coração chafurdado por mais um carnaval que passou.

no peito, bate aquele samba antigo, que me faz sempre rememorar: “quem dera / que a vida fosse assim / sonhar, sorrir / cantar, sambar / e nunca mais ter fim”.

04 fevereiro, 2008

The end



Miserável memória
Prefere trazer à tona
A trêmula clareza do desespero
Diante de cenas tão fabulosas que vivemos
Entre flores, beijos, afagos e abraços nossos

Miserável memória
Prefere agir por sua própria conta e risco
Não respeita o dedo em riste da autoridade
Nem ouve os apelos de uma criança sorridente
Que um dia descobriu o amor em sua forma mais sublime

Miserável memória
Prefere ter autonomia para selecionar os capítulos
De uma história que estava só começando
E que agora eu temo em encerrar

***

[Confesso temer também o peso do arrependimento
De não ter lhe descrito as cenas dessa memória
Ou de não ter lhe apontado os fantasmas da sala escura
Antes que o “The end” derradeiro
Surja creditado na tela
Com o espocar das luzes do nosso cinema]