31 outubro, 2007

Quando fecham a porta do quarto


Num movimento sozinho
Fechar a porta do quarto significa isolar-se
Minar sua trincheira
Demarcar seu território
“Proibida a entrada de estranhos
Este aqui é o meu local”

Num movimento sozinho
Fechar a porta do quarto significa afirmar-se
Proteger-se de qualquer ameaça
E, de alguma forma, aquietar o coração
“Cala a boca já morreu
Quem manda aqui nessa porra sou eu!”

Já num movimento acompanhado
Fechar a porta do quarto significa questionar-se
Por que as pessoas surpreendentemente se transformam?
E por que você não consegue gritar com o dedo em riste?
Bradar em voz alta e sair correndo?

Num movimento acompanhado
Fechar a porta do quarto significa calar-se
É o tilintar da tranca que ressoa alto demais
O toque no disjuntor também grita
O escuro fala por si
E me faz procurar na janela qualquer brechinha de luz

Quando fecham a porta do quarto
Geralmente canto versinhos soltos, bem baixinho
[é que, sabe, tenho medo de estragar o clima]:

"(...)
Tão redonda a lua
Como flutua
(...)
E no silêncio lento
(...)
Apaixonado
(...)
Que eu sei que embaixo desta neve mora um coração"


[São versos soltos assim mesmo, em elipse.
O resto ainda não consegui lembrar]


***

"Não me deixe só.
Eu tenho medo do escuro.
Eu tenho medo do inseguro.
Dos fantasmas da minha voz"
[“Não me deixe só”, Vanessa da Mata]



O escuro eu já conheço. O medo também.
Só não esperava recrudescer os fantasmas da minha voz.
Preciso voltar a ficar afônico.


[Alguém, por favor, pode ler o post aí embaixo
e fazer a gentileza de me ajudar a abrir a porta?]


29 outubro, 2007

Toc toc toc


"Não quero falar com o culpado que confunde viver com fugir, esconder-se, 'proteger-se' do que ama (e do que o ama). Quero falar (porque o conheço, porque me comove, porque vem antes de tudo) com o inocente que aos sete anos (você aí tinha sete, não?) iluminava as tardes com sua curiosidade e cobria os sapatos de pó. Se ainda está vivo, se ainda está em algum lugar (e eu acho que sim, que está), que bata três vezes nessa foto, e eu vou lhe abrir a porta".


[Extraído do livro "O passado", de Alan Pauls, p.99]


27 outubro, 2007

Salvo conduto


"A amizade é um amor que nunca morre"
[Mário Quintana]



"E amizade dada é amor"
[Guimarães Rosa]



"O melhor espelho é um velho amigo"
[George Herbet]



"A solidão é um caminho demasiadamente solitário para se caminhar só"
[Lya Luft]


***


Duas ou três coisas para dizer sobre amizade:


- É bom ter grandes doses de pequenas quantidades de amigos.

- É bom receber beijo e abraço de amigo.

- É bom rememorar com amigos. E rir durante.

- Fazer novos amigos é sempre bem-vindo.

- Amigo é para você rir e falar sem medo de ficar afônico.

- Amigo é regozijo do coração. Reconforto também.

- Sentir-se amigo, mas amigo mesmo, de alguém me emociona.

- Amigo é a minha certeza de que o amor pode ser eterno.




[eu quero continuar
escrevendo esses tópicos
no geúndio mesmo
para mostrar ação imediata
do momento, presente
movimento eterno
de amizade]




Por isso, recebam eles, os amigos
Meu salvo conduto para entrar na velha casa
e o meu "Eu te amo" mais sincero.
Bom poder recomeçar com vocês
que são minha a salvaguarda.

24 outubro, 2007

Escuta


Nesta pequena conversa registrada hoje, os personagens não quiseram se idenficar. Ainda não se têm pistas sobre o perfil dos envolvidos, mas há suspeitas de que sejam rivais. Escutas autorizadas revelam o teor dos diálogos.

– Olá, como vai?
– Eu vou indo e você, tudo bem?
– Tudo bem, eu vou indo correndo pegar meu lugar no futuro, e você?
– Tudo bem, eu vou indo em busca de um sono tranqüilo. Quem sabe?
– Quanto tempo...
– Pois é, quanto tempo...

– Me perdoe a pressa. É a alma dos nossos negócios.
– Qual, não tem de quê. Eu também só ando a cem.
– Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí.
– Pra semana prometo, talvez nos vejamos, quem sabe?
– Quanto tempo...
– Pois é, quanto tempo...

– Tanto coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das ruas.
– Eu também tenho algo a dizer, mas me foge a lembrança.
– Por favor, telefone, eu preciso beber alguma coisa rapidamente.
– Pra semana...
– O sinal...
– Eu procuro você...
– Vai abrir! Vai abrir!
– Eu prometo, não esqueço, não esqueço.
– Por favor, não esqueça.

– Adeus.
– Adeus.

***

Sinal fechado.
Por enquanto, não consigo ver muito além
Do que as balas que põem no meu retrovisor:

"Eu poderia estar matando ou roubando
Mas estou aqui pedindo. Preciso de ajuda.
Por favor, colabore com R$ 1"
O sinal abriu.
O vidro continua fechado.
A bala volta com tantas outras
para a caixa de papelão.

E eu sigo a poeira das ruas.



[Notapé: o diálogo acima foi feito entre a mente e o coração.
Em depoimento, eles afirmam que nem sempre andam em sintonia,
mas que um dia prometem se rever. Pra semana, quem sabe.
E a música é "Sinal fechado", de Paulinho da Viola]

23 outubro, 2007

Mercedes Baptista


Este tópico foge dos textos que vem sendo apresentados aqui, mas é por uma boa causa: ressaltar a iniciativa de uma escola de samba em abordar, no seu desfile, um personagem importantíssimo na interseção entre as culturas popular e erudita. Chama-se Mercedes Baptista, primeira bailarina negra do Teatro Municipal, que em 2008 será enredo da Acadêmicos do Cubango, pelo Grupo de Acesso A. O texto é de minha autoria e explica um pouco por que vale a pena, para mim, militar em prol do carnaval e das escolas de samba.




Mercedes Baptista: um passo de vanguarda no carnaval carioca

Sem muitas delongas ou rodeios: um enredo sobre Mercedes Baptista é de salutar importância para o carnaval carioca. A iniciativa da Acadêmicos do Cubango em evocar ao grande público a memória da bailarina negra traz à tona uma série de questionamentos que, imbricados, dão corpo e vida a uma reflexão sobre o atual modelo de desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro.

A começar pela importância de Mercedes na história do carnaval. Junto com os carnavalescos Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona, ela introduziu, em 1963, com o enredo “Xica da Silva”, a ala coreografada: a clássica cena do minueto dançado com a Candelária ao fundo (foto abaixo). Hoje, discute-se se a teatralização em alas ou carros alegóricos é ou não a nova tendência nos desfiles na Sapucaí. Mas, naquele ano, a vermelha-e-branca da Tijuca desafiou os cânones da época ao trazer Mercedes como coreógrafa do palco do carnaval, fruto de sua experiência como primeira bailarina negra do Teatro Municipal carioca. Mercedes Baptista é, portanto, protagonista de uma concepção artística inovadora para as escolas de samba.



Aliás, a década de 1960 é tempo de vanguardas no carnaval carioca – e o Salgueiro tem participação fundamental neste processo. Primeiro, por estabelecer o diálogo entre o erudito e o popular com a chegada de pensadores da Escola de Belas-Artes no desenvolvimento do desfile. Depois, por inverter a lógica temática vigente e fazer do negro a estrela principal, cantado, homenageado e reverenciado pelos foliões. Este era um desafio grande a ser vencido, pois a idéia de “um dia se tornar rei na folia” vigorara forte no imaginário dos desfilantes, que não se viam trocando os babados da fidalguia pela ráfia ou chapéu de palha. E, por fim, ao reconduzir aos anais da história personagens até então confinados nos autos e registros de sua época, como Xica da Silva (1963, na foto) e Chico-Rei (1964).



Quatro décadas depois, a Cubango faz valer o prenome “Acadêmicos” que carrega em seu pavilhão ao romper com o modelo de enredos vigente, que buscam no patrocínio uma forma de se enquadrar ao luxo e à ostentação que, infelizmente, designam uma “grande escola de samba”. Bom desfile e sinal de título precisam ter, necessariamente, luxo e dinheiro? Com o enredo “Mercedes Baptista: de passo a passo, um passo”, do carnavalesco Wagner Gonçalves, a verde-e-branca de Niterói desafia as cifras em prol de um enredo digno e merecedor de aplauso e reafirma-se como uma agremiação de força antes mesmo de pisar a Sapucaí.

Com “Mercedes”, a Cubango resgata ainda a tendência introduzida pelo Salgueiro nos anos 1960, ao hoje inscrever na memória popular a vida e obra da mulher que é muito mais do que a primeira bailarina negra a pisar no palco do Municipal. Só esse fato já vale o enredo. Mas Mercedes Baptista vai além do seu “pas-de-deux”: ela militou contra o preconceito racial; reafirmou sua origem africana fundando uma companhia de dança afro; e, como citado, levou a erudição dos palcos para a ópera popular do carnaval, com a vermelha-e-branca tijucana.


Em poucas palavras, a escola de Niterói resgata a nobreza do negro no carnaval, manifestação popular cujas raízes estão fincadas na herança cultural vinda do tempo dos escravos. Aí reside a importância desta iniciativa da Cubango. Assim como o Salgueiro na década de 1960, a escola se mostra moderna e de vanguarda, pois apresenta um enredo que não se restringe a apenas uma biografia. Dois mil e oito ainda não chegou, mas a Cubango já prova que, por maior que sejam as intempéries de um enredo autoral no Grupo de Acesso, é possível resgatar não só a nobreza do negro na Avenida, mas a própria nobreza de uma escola de samba. É, portanto, mais que um reencontro com sua própria história, marcada por enredos afros importantes como “Afoxé” (1979), “Fruto do amor proibido” (1981) ou “O fruto da África de todos os deuses no Brasil de fé” (2005).




Ano passado, o Salgueiro fez valer o lema das Candaces – “É preciso olhar pra trás para ir pra frente” – para resgatar suas origens ao contar a dinastia das rainhas negras da Antiguidade. O resultado não correspondeu às expectativas de muitos, mas o desfile reafirmou a importância da vermelha-e-branca enquanto uma grande escola de samba no carnaval carioca. Hoje, é a vez de a Cubango cumprir esse papel, também olhando para trás visando ao futuro: a inédita ascensão ao Grupo Especial.

Difícil não pensar em que espécie de sentimento virá à tona quando a terceira escola pisar a Marquês de Sapucaí. Mas esta é uma preocupação que deve ser deixada para o sábado de carnaval (2/2). Melhor fechar os olhos e se deixar levar pelo belo samba-enredo-homenagem-e-tributo à vida e obra de Mercedes Baptista, Candace contemporânea, atual Xica da Silva do carnaval carioca:

"Jubà Ìbamolé"
Pro sonho dessa noite de magia
Abra as cortinas, Oh! Municipal,
Pra ópera do povo, o samba em sinfonia!
Onde houver a fé, o axé dos orixás - vitória!
Louvar a natureza, legado ancestral
Negra e verdadeira herança cultural
Viva em nosso carnaval

O violino com batuque do tambor
"Corta-jaca", Mondongo... me leva!
Ao "pás de deux" no jongo e entrechat no Congo
Início de uma nova era

O alvorecer
Dourava a corte em sua realeza
Salve a academia tijucana
Onde a negritude era nobreza
A mãe do balé afro com os pés no chão
Revela seu poder de sedução
Vai acontecer,
Florescer cultura popular
Na força dos heróis do novo mundo
A minha academia vai brilhar
O tão sonhado passo avançar

Baila
Vem fazer parte desta emoção
Teu manto verde e branco é tradição
Cubango, luz da minha vida
Mercedes Baptista
Divina tu és
Ponho a Avenida aos teus pés



Composição de Arthur Bernardes, Sardinha, Diego Nicolau, Junior Duarte e Carlinhos da Penha. (Gravação não-oficial)



Pra frente


"Versos... não
Poesia... não
Um modo diferente de contar velhas histórias"

[Cora Coralina]



Este é um pouco o espírito deste espaço:
contar velhas histórias
mirando novos horizontes

Não sei dizer se é um modo diferente de contar histórias
Pelo menos, é sincero
Mesmo que os sentimentos aqui expostos
Não sigam uma ordem lógica ou coerente do pensamento



"Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade"
[Fernando Pessoa]

***

A experiência, por ora, tem sido positiva
Bom forçar-me a dizer o que sinto
Mesmo que em entrelinhas ou em poucas linhas


[Alguém me pergunta:
"A cada dia, uma nova descoberta?"]


Talvez sim, embora eu tema pelo lugar comum.
Mas quem disse que a vida é sempre inédita
ou livre dos chavões?

Por não encontrar resposta própria,
Me ancoro no que já foi um dia dito:



"A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta"

[ainda Fernando Pessoa]


De qualquer forma, a sensação tem sido positiva
Ainda que as palavras soem um pouco pesadas
É que eu ainda olho pra trás
Querendo seguir à frente
Mas, passo a passo, aos poucos
Sinto que dá pra chegar lá


"Que importa a marca dos retratos na parede?
Que importam as salas destelhadas,
e o pudor das alcovas devassadas...
Que importam?
E vão fugindo do sobrado,
aos poucos,
os quadros do passado."
[ainda Cora Coralina]



Vamos combinar:
já estava mais do que na hora
de começar a botar ordem nessa casa

20 outubro, 2007

Rascunho

[clique na imagem para ampliar]

18 outubro, 2007

O baile




[vamos, estamos atrasados
espera, falta só pegar o convite
está aqui comigo. vamos]


Hoje é dia de festa.


"Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu."
[Clarice Lispector]



Dia também de música.


"Quero dançar com outro par pra variar, amor"
[Los Hermanos]

De baile.


"Quem é você, diga logo, que eu quero saber do seu jogo"
[Chico Buarque]


Dia de êxtase.


"Para que chorar
O que passou
Lamentar perdidas ilusões
O meu povo vibra
Cheio de euforia
Extasiando os corações"

[Beija-Flor, 1987]

***

O carnaval me deixa feliz
mesmo quando danço sozinho no salão.
Mas, no fundo, eu sei
que eu quero mesmo é um outro par
nem que seja pra variar o passo
a música
o amor
ou a dor.


17 outubro, 2007

Maturar


Certa vez, meu pai disse:
– Filho, às vezes precisamos ser um pouco burros na vida.

E ele tem razão
Prepotência querer entender as vicissitudes do mundo
Sem antes se dar conta da pequeneza da mente





"As coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender"
[Paulinho da Viola]



Maturar é difícil
Sobretudo para os que se dão conta dessa missão tardiamente



"(...) Uma aprendizagem de desaprender"
[Fernando Pessoa]




Prosseguir é preciso
Viver também o é
Mesmo com a sensação de ainda tatear a opacidade.



"A gente só sabe bem aquilo que não entende"
[Guimarães Rosa]


Para mim, os vestígios do crescimento se deram
Em cima, em decorrência ou em função de alguma dor
Espécie de superação isolada, reclusa e não-compartilhada
Porém, consciente e, de certa forma, renovadora.




“Dor não é amargura”
[Adélia Prado]



As dores não foram suficientes para crescer?
Talvez sim, embora espere pelas próximas
com certa complacência
Porque, no fundo, vou sempre estar insatifeito
com a possibilidade perdida de um agir outro
de um recomeço.



[droga
poderia ter feito diferente
por que eu não falei aquilo?
agora foi
tá falado
já era
deixa pra lá]



Reconheço minha condição imatura
Por não conseguir desvincilhar-me
Da eterna vontade de crescer
De ter o mundo esclarecido
Reconheço essa vã pretensão

Mas confesso que queria, por um dia
Experimentar a sensação
De um fruto num pomar
Do grão verde até sua queda
Sucumbido pelo tempo
Que soube usar de paciência
Para esperar pela apoteose da sua maturação final






[Que bela árvore
essa a do jardim
Parece centenária.
Não é. Não sabemos a idade.
Já estava aqui desde que nos mudamos
pra essa casa.]







Acho que ia ser feliz nesse dia.



16 outubro, 2007

Corrente

Não gosto de correntes, mas esta vale a pena.

1ª) Pegar um livro próximo (próximo, não procure);
2ª) Abrir na página 161;
3ª) Procurar a 5ª frase completa;
4ª) Postar essa frase em seu blog;
5ª) Não escolher a melhor frase nem o melhor livro;
6ª) Repassar para outros 5 blogs.

Resultado:


"Rímini tendia a pensar no ciúme como numa máquina arbitrária, mas implacável, especializada em traduizir o idioma diáfano do amor para uma gíria de pesadelo: o amor fluía sem problemas até tropeçar numa impureza, a impureza formava dobra, a dobra gerava um efeito de funil, o fluxo do amor se afinava - e tudo se invertia e trocava de sinal."



"O passado", de Alan Pauls.



Crédito: Cartaz do filme "O passado", de Hector Babenco. Com Gael García Bernal. Participação especial de Paulo Autran. Estréia dia 26 de outubro.

Casa desconstruída



[Antecipando o perdão a Vinicius de Moraes...]

não tinha teto
Na casa
não
tinha
uma
parede
era feita
Uma
não tinha ali
Não tinha

Era
engraçada
podia
fazer pipi
Na rua
nela
penico
dos bobos
Mas
Ninguém podia
na rede
muito esmero

Não
Ninguém podia entrar
na casa
Porque
não
não tinha chão
nada
zero
Ninguém

14 outubro, 2007

Nova aurora


Eu quero encontrar a aurora
"A aurora da minha vida"
Hoje, de uma outra perspectiva de vida:
a que se esforça em se fazer querida
em tempos de delicadeza que aos poucos se esvai


Não tenho mais saudades
Da aurora de outrora
Aquela que os saudosistas tanto evocam
Talvez eu acho que ela ainda não tenha amanhecido
Ou cessado meu crepúsculo
Que insiste na indefinição de sua luz



[o dia ainda está claro
mas logo vai escurecer
vamos ver o pôr-do-sol?
senta aqui
acho que dá tempo]




Talvez não
Ou ainda não
O sol pode seguir o ciclo seu de cada dia
Mas seu retorno, por ora, ainda não me é percebido


***


O sol põe-se diariamente
E retoma seu posto inicial pontualmente
Numa espécie de repetição renovada
Atualizada
(ou, pelo menos, uma tentativa de)


Mas às vezes a sensação é de que esse sol não retorna
Talvez ele não siga a minha vontade
Minha pretensiosa vontade
de brilhar, raiar ou apenas fazer-se clarear ao meu bel-prazer
Essa tem sido a sensação que ficou
Da última aurora que me lembro da vida



[Desculpem-me os puristas
Mas não consigo olhar pra trás e dizer:

"Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!"
]



Eu quero mesmo é amanhecer uma nova aurora
A minha aurora
De qualquer maneira
À minha maneira


Quero olhar da janela uma outra aurora
Sem o seu ciclo ritmado de outrora
Quem sabe até uma aurora imprevisível
Para dar graça a uma vida já tão cheia de repetições


Quero começar uma nova aurora
(vejam bem: "começar", antecedido pelo verbo querer
que por sua vez, passa a ser conjugado por este quem vos fala)
É que eu sou (ou quero ser)
O mais novo responsável por essa aurora


E eu estou disposto
A recuperá-la
De qualquer maneira
Repito: de qualquer maneira


nem que, para isso,
seja preciso


recomeçar.



Escutando: Chico Buarque, "Acalanto para Helena" ("Dorme minha pequena / Não vale a pena despertar / Eu vou sair / Por aí afora / Atrás da aurora / Mais serena")

13 outubro, 2007

Paleta de cores



“Amor, o mundo muda de cor de repente”


A constatação é de Sylvia Plath (1932-1963), poetisa norte-americana.

Para ela, o mundo é uma espécie de paleta de cores imprevisível.



Mundo em película.
Em movimento.
Fotografia.
Amélie Poulain e seu fabuloso destino.


São cores vivas, opacas, ou turvas.
Como é o próprio ser humano
Em sua sina de mudar para o fim de se terminar.



“eu preciso andar
um caminho só
vou buscar alguém
que eu nem sei quem sou”
[Los Hermanos]


***


Hoje minha paleta está sem muitas cores.
São borrões, riscos, traços, troços e rasbicos.
Vestígios de uma tentativa de se fazer artista.

Hoje são vestígios do silêncio.
Do implícito.

Da interrogação.
Do sussurro.


Shhhhhhhhhhhhhhh.
Fale baixo.
Não conta pra todo mundo.
Pra quê?
Nem todos sabem ver o silêncio.


Silêncio:
Sinônimo de vazio?
Oco?
Sem sentido?


O senhor sabe o que é o silêncio?
É a gente mesmo, demais”
[sempre Guimarães Rosa]



Não conte pra ninguém:
Silêncio é segredo.
Mas é forma de vida.
Escolha de vida.


E de recomeço.

Crédito: "O Castelo de Carnevon", de William Turner (1830-1835)

12 outubro, 2007

Recomeço



A velha casa abre aqui suas portas para o recomeço.
Tudo começou diante de uma frase:



“O mundo ali tinha de ser de se recomeçar”

É de Guimarães Rosa, em “Grande Sertão: Veredas”.


Ainda não consegui terminar o livro. Muito menos compreendê-lo em sua toda magnitude.
Mas essa frase me interrompeu. De certa forma, ela rompeu também.


Recomeço. Ruptura. Regozijo.
Revisita. Releitura.


Hoje eu quero recomeçar.
Perdão àqueles que passei e não dei a chance de continuar.

Hoje eu quero consertar.
Falta coragem para mexer nas estruturas da casa antiga.


“O que ela [a vida] quer da gente é coragem”.
[Ainda Guimarães Rosa]

***

velha casa. recomeço...

parece ambígüo?
sim

contraditório?
não sei.

coerente?
talvez pra mim.


O primeiro passo para esse recomeço é abrir a porta da casa velha.

Talvez seja só a janela. Ou uma entrada sorrateira, nos fundos.

Mas já é um começo. Um recomeço.




Torço para que valha a pena.